Uma vez li uma matéria sobre a Holanda acho. A matéria, resumindo, dizia que pelos lados de lá um porteiro e um diretor de empresa eram tratados e respeitados de forma igual. E que o fator escolha de profissão não fazia alguém melhor ou pior, a matéria ia além mas paro por aqui.
Em São Paulo estamos rodeados de motoboys nas ruas, no céu é um tal de vai e vem de helicópteros ou carregando pessoas poderosíssimas sempre com pressa ou carregando suas respectivas mulheres. Nos parque os cachorros! Ah os cachorros! Curioso que a maioria deles que vejo sempre estão acompanhados dos funcionários dos moços que voam por aí, sempre ocupados. Me pergunto o porque de ter um cachorro então, mas aí lembro que eles abanam os rabos e dão carinho, no matter what.
Dizem que o cachorro se torna a cara do dono, mas esse dono, muito ocupado, não percebeu que seu funcionário de camisa social e gravata anda no parque com seu cão que também possui uma gravata. Não sei não, mas suspeito que esse cão, se pudesse ser gente, escolheria ser igual a quem cuida, sair por aí de gravata tendo a profissão de motorista! Até o vejo abanando o rabo ao pensar nisso!
Bom, já está na hora de começar a explicar essa minha viagem louca entre céu, terra e sem mar.
Na segunda linha de trem que preciso pegar, topei com um cara de cabelo amarelo ovo, cara de maluco AND um pandeiro.
Olhei aquela pessoa e só conseguia pensar: Senhor!! Por que no meu vagão, senhor?! Tudo que eu menos queria era alguém batucando um pagode no meu ouvido naquela hora do dia.
E foi só a porta fechar para começar, o rapaz não estava só, ele tinha um companheiro a tiracolo e eu precisei de aproximadamente um minuto para mudar completamente minha opinião.
Aqueles dois nordestinos, um paraibano e um cearense tinham um dom. O dom do improviso, o dom do espírito esportivo. Além disso, aqueles dois caras mantinham suas raízes na melodia que entoavam agradecendo a ajuda que fosse dada. Eles não eram pedintes. Eles eram artistas que brincavam com sua própria sorte. Mexiam com todos no vagão, cantarolavam versos para todos inclusive os que os rejeitavam. No segundo passageiro, eu já enfiei a mão na bolsa torcendo para ter algum trocado, depositei em seu pandeiro um real, mas se tivesse assistido antes o show inteiro sem duvida nenhuma fuçaria muito mais.
O cabelo amarelo com cara de maluco agradeceu, pediu para Deus abençoar a mim e a minha casa. Depois fez graça, elogiou. Logo depois o outro rapaz simpaticamente também criou versos para agradecer aquela moedinha, me chamou de galega, de loira bonita e simpática e me comparou a Ana Hickman (há!), depois ainda voltou e cantarolou mais alguns doces agradecimentos.
Eles faziam isso com todos e todas. De uma forma sutil foram passando pelo vagão, e mesmo aqueles que não desgrudavam os olhos em seus smartphones davam um riso de canto de boca. Vi apenas uma menina não ceder nem um mísero de expressão – tive pena dela.
Pena porque dois caras levam a vida fazendo rimas, trazendo o som de suas terras, rindo da própria desgraça. Aproveitando a hora do rush para distribuir alegrias e garantir seu jantar e ela não havia quiçá se contagiado nem um tiquinho.
Eles, com a situação de vida que não faço ideia, mas que posso imaginar, cantavam coisas do tipo “Eu só não te dou um cheiro que eu tenho medo de apanhar” e foram com passos de formiga arrancando o sorriso de cada um, cada um que antes deles tomarem uma atitude estavam de cara fechada, insatisfeitos com suas vidas, cansados.
Eles infelizmente, deixaram meu vagão antes do que eu esperava, mas sei que foram quebrar as armaduras dos passageiros que entravam nas novas estações sem fazer ideia que a cereja do bolo do dia deles poderia estar ali, em um trem cheio da CPTM.
E aí que eu te pergunto: Que trabalho te tira um sorriso de verdade? O cara com milhões, que só pensa em negócios, super poderoso que para conviver com (ele) precisa estar no mesmo nível, fazer uma super produção para ir em à um restaurante cheio de pompa, viver para mostrar o que o dinheiro compra, ou os mocinhos nordestinos que te cantam e encantam do jeito que você é, de olheira depois de um dia de trabalho, em pé, tendo trocado o salto alto por uma sapatilha?
Nunca imaginei dizer isso.. mas acho q vou sentir saudades dos trens de São Paulo!