A ESTRANHA INTIMIDADE AÉREA

A ESTRANHA INTIMIDADE AÉREA

Minha mãe, quando jovem, achava que podia voar, gostava de pular de uma rampa em uma tal de Pedra Bonita. Pulava com uma estrutura de canos (Tigre, assim espero) e algo como uma lona. Alguns costumam chamar isso de asa delta, eu costumo chamar de insanidade.

Ela foi a primeira maluca no Brasil a fazer voo duplo junto com meu tio Passarinho. Sim, filha de gente dessa tchurma carrega tios como Passarinho, Mosca (não o Paulinho, infelizmente) e Cebola no currículo, na vida e na sala de estar (Bom, nunca entendi o elo de cebola com o ar, mas ok.).

Irado, mamãe radical! Pepê era seu amigo e não um quiosque e um ponto de praia da moda. Acontece que mamãe radical voava com Nikitinha na barriga, talvez no intuito de me deixar sempre mais perto de Deus, vai saber, mulheres grávidas ficam completamente alteradas hormonalmente e minha mãe não fugiu da regra.

Porém, entretanto, todavia, ninguém bateu na porta do útero no qual havia recém chegado e perguntou se eu curtia dar uma voada por aí! Eu nem sabia se eu tinha a opção de escolher entre ser passarinho ou ser humano!

Resultado? Uma alegria infinita ao voar, só que não.

Como bonus track colocaram a maior parte da família do outro lado do oceano, arranjei um namoro de ponte aérea mineira e também um emprego em uma empresa cuja matriz é em São Paulo. Todos esses relacionamentos duradouros e presentes.

Resultado? Nikitinha sempre nas alturas.

Já cansada do estresse emocional de todo pré-pós-intra-voo, já tendo adicionado inclusive pilotos que mostram seu dia a dia de trabalho em seus Instagrams e ter percebido que eles tem uma vida igual (Pasmem! Também bebem nas horas vagas!), tomei uma decisão.

No vôo de hoje iria me dopar! Ah, que delicia me juntar aquela gentalha que apaga ao afivelar os cintos!!

Antes de mandar pra dentro meu ticket para encontrar Morfeu, fiz alguns cálculos e achei sensato eu não apagar, apagar (já fiz isso uma vez, papo para outro post), afinal teria cinquenta minutos apenas.

Catei uma faca no “Frango Assado” do Galeão, que é frito e não assado, e parti ao meio, pois lembrei que havia tomado um copinho de cerveja mais cedo, e como sou cheia de sorte, as chances de dar um revesguete e eu subir na poltrona e resolver cantar seriam altíssimas.

Na duvida, tirei mais uma napinha da minha metade.

Melhor prevenir do que remediar.

Respirei fundo, rezei três aves-marias e avisei por Whatsapp ao namorado, em caso dele precisar me catar na Policia Federal. Não, ele não foi avisado da cervejinha, a gente não precisa contar a história completa sempre, né?

O voo obvio que atrasou e fiquei esperando ansiosa qual a porta que meu organismo iria escolher, a do apagão ou a do micão.

Coração acelerado e já afivelada na 7A começou a vir o sono. Yes! As portas ainda estão abertas, acho que ganhei o prêmio ao rodar o bagulhete do baú da felicidade! See you later, aligator!

E aí que entra a análise que gostaria de compartilhar, desculpe se demorei a entrar no assunto, sabe como é, estou sobre efeito de 1/3 de um calmante que encontrei perdido por ai em um fundo de gaveta velha. A sensação é boa, tenho a sensação que posso voar… Hm… Sono… Acho. Soneca. Onde compra mais esse remédio?

Estou acomodada na janela, o meio vazio e na ponta um coleguinha de voo.

Não importa o sexo do coleguinha no seu extremo, se não existir alguém no meio e se a proposta for apenas de uma dormida a situação se torna de estranha intimidade.

Enquanto curtia os efeitos do meu 1/3 de alívio, virava de um lado para o outro, e depois de muito ajeita lá, ajeita cá, “acho que bateu”, “meu sonho acordar no chão em outro estado”, comecei a perceber que 1/3 de nada faria efeito na ansiedade em pessoa, distribuída em 1,75 de pura neurose.

O sonho da capotagem aérea não aconteceria nem aqui e nem em São Paulo, onde espero aterrissar em dez minutos.

Resolvi abrir meus olhos e reparei que estava invadindo território neutro, uma parte da poltrona do meio fazia de apoio aos meus joelhos, com o paninho que cobre a poltrona escrito TAM eu tentava de alguma forma tornar um tapa olhos (Por que eles não tem elásticos igual aos paninhos de ônibus? Poderia grudar minha cabeça no elástico!). Tinha também a certeza que naquela altura do campeonato estava completamente descabelada.

Percebi também que meu colega de ponta de fileira também dormia o sono dos justos – e dos puros. Joelhos também invadindo território neutro. Apenas uma turbulência, de fazer ateu virar crente, nos separava de qualquer contato físico.

Eu estava literalmente dormindo com alguém que não fazia ideia do nome e vice-versa!! Sem nem um boa noite, dorme bem!! Não cruzamos olhares, não passamos restos de lanche, não dividimos sonhos, não éramos nem próximos de conhecidos.

Estávamos ali, um em cada ponto buscando o sono de brigadeiro. E isso soa um tanto quanto esquisito.

“Acordei” do meu super mini-fast-and-furious cochilo antes do meu companheiro de voo, logo em seguida ele abriu os olhos e muito constrangida realizei que aquele sujeito dormiu e a primeira pessoa que ele viu quando acordou fui eu.

Fiquei extremamente desconfortável com tal pseudo-intimidade mas confesso que fui gentil ao rapaz, já que ele também foi a primeira pessoa que avistei ao realizar que o remédio não deu muito certo.

Minha bexiga socava minha barriga, mas em caráter de lealdade não achei de bom tom acorda-lo para que eu pudesse melhorar minha situação. Estava na janela e para passar para o corredor havia um corpo em sono profundo. Eu não poderia tirar-lhe tal direito e muito menos pular por cima dele.

Bom! O avião acabou de pousar e vou ter que encerrar esse texto por aqui, pois além de ter que correr para o banheiro, vou ter que arranjar uma bela de uma explicação para o Tomas, né? Porque vai que o cara que dormiu na 7C resolve dar adeus e dizer que acordar do meu lado fez o dia dele bem melhor enquanto meu namorado acena para mim no desembarque? Pega mal né?

Na próxima, seleciono a poltrona do meio para não correr esse risco, porque sair cochilando com gente estranha tendo espaço para dormir torto é muito moderno para minha cabecinha old school! Mesmo que seja em um voo comercial a meia poltrona de distância!

Sobre Nicole

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