CHI-CÃO EM: THE DOG DAYS ARE OVER

CHI-CÃO EM: THE DOG DAYS ARE OVER

CAPÍTULO 1

Era sexta-feira, feriado de primeiro de maio, quando eu e meu namorado decidimos sair para fazer algumas coisas. Resolvi encontra-lo em frente ao prédio, pois precisava pegar algumas coisas na portaria.

Enquanto o esperava do lado de fora, um cãozinho passou por mim com uma patinha arriada, sem encosta-la no chão. Morrendo de dó, entrei no carro e antes de comentar com meu namorado o cãozinho passou novamente.

– Ai amor, pára o carro. Vamos levar esse cachorro no veterinário, ele está com a pata quebrada.

– Não dá Nicky, alguém vai ajuda-lo, não se preocupe.

Enquanto íamos para o nosso destino, umas lágrimas caíram dos meus olhos… me senti impotente e muito brava por não conseguir fazer o que eu queria, mas pensando racionalmente, depois de tudo, sei que não seria assim tão simples. Mas passei o dia inteiro uma arara com meu namorado, qualquer oportunidade que tinha dava uma alfinetada nele, como se a culpa do bichinho estar machucado e sofrendo fosse dele.

Como a maré não ficou para peixe para o lado dele, combinamos que iríamos procura-lo ao voltar para casa, e assim fizemos, mas em vão. Dormi e rezei para São Francisco de Assis, o santo protetor dos animais e que possui uma das orações mais lindas que eu conheço:

Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé;
Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, Fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna.

Nos dias após aquele feriado nada do cachorrinho. Torci então que ele estivesse sendo cuidado e que se fosse para eu ajuda-lo que ele aparecesse para mim.

Os dias se passaram e nada.

CAPÍTULO 2

No dia seis de maio, quarta-feira, saí a pé de casa em direção a um curso. Assim que dei meus primeiros passos, o encontrei embaixo de um caminhão, muito machucado, acuado e com um saquinho de ração ao lado. Pensei, caramba, ele está machucado há quase uma semana e eu o encontrei. Sem carro e sem conhecer ninguém na região que moro, procurei algumas clinicas veterinária no Google, liguei e todas elas me informaram que não buscavam o animal no local e que não existia esse serviço por aqui.


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Fui para o curso com o coração na mão e avisei ao namorado que querendo ele ou não, eu mesma iria pegar o cachorro ao voltar e leva-lo a uma clinica veterinária. Voltando para casa, desci para procura-lo e o encontrei. Meu namorado buscou uma cordinha para fazer de coleira e ficamos algum bom tempo tentando cerca-lo. Ele estava muito, muito sujo, mas mesmo assim fiz carinho nele a ponto da minha mão ficar muito, muito preta. Ele vai se chamar Francisco, pensei. Rezei para São Francisco e o reencontrei, pronto, já tem um nome.

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Acontece que mesmo com todas boas intenções do universo, Chico era um cachorro de rua, que havia sido maltratado por humanos. Logo, ele nunca iria entrar em um carro estranho feliz e por livre e espontânea vontade, ainda mais machucado de sabe lá Deus o que.

Depois de muitas tentativas que acarretaram até em uma discussão minha com meu namorado -estávamos nervosos e cada um pensando de uma forma – meu namorado entrou com o carro e disse que não seria mais possível resolver a situação naquela noite. Fiquei uma arara de novo e na rua ainda mais um tempo.

Nisso, o segurança do prédio ao lado chamou:

– Francisco, vem cá!

– Francisco? Como assim? – Perguntei assustada.

– Ah, eu brinco de chama-lo de Francisco, que é o nome do meu colega, ele fica bravo com isso e então eu sempre chamo o cachorro assim.

– Ahhhhhhn.

Papo vai, papo vem descobri que Francisco tinha alguns cuidadores na rua, já havia desconfiado pela ração, mas Wesley havia me dado a confirmação que eu precisava. Subi para casa na tentativa de negociar o carro novamente, conversei maduramente com meu namorado e decidimos que o melhor seria tentarmos no dia seguinte.

Desci para avisar ao segurança que não continuaria minha tentativa. Quando apareci, Wesley havia amarrado a cordinha do Francisco em uma corrente, pois me aguardava e não queria que ele fugisse.

Passei a madrugada inteira falando com uma amiga do Rio, e enviando mensagens a todas as clinicas e protetores de animais que eu descobria pelo Google. Eu precisava ajudar aquele bichinho sabe lá Deus como, pois não havia como leva-lo para a clinica.

CAPÍTULO 3

Acordei no dia seguinte oito horas da manhã, peguei o celular e vi que uma das clinicas havia me respondido:

“Então temos serviço de transporte, onde se vc conseguir passar uma guia no amiguinho, nos ligar no tel xxx, o motorista lhe buscará, em transporte seguro para o cãozinho e vc, para passar em consulta com de nossos veterinários. Abraço, aguardando contato.”

Não pensei duas vezes, pulei da cama, engoli um iogurte e saí à procura do cãozinho rezando para ele estar por perto, afinal, a operação precisava ser casada: Nada adiantaria achar um transporte se não achasse o cãozinho.

Saí do meu prédio apreensiva, será que eu iria encontra-lo? Será que hoje daria certo? Enquanto andava, meu coração batia um pouco mais forte, até a hora que o encontrei embaixo de um carro, ainda com a guia que havíamos colocado em seu pescoço. Sentei minha bunda na rua, segurei a cordinha e liguei correndo para a clínica.

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Um rapaz veio busca-lo e com todo jeito do mundo conseguiu coloca-lo na caixinha. No carro, Chicão quicava igual pipoca dentro da caixa. Com certeza achava que estaria sendo levado ou seria judiado.

(Clica na música e continue sua leitura :))

Cheguei ao veterinário nervosa e logo logo fomos atendidos. Chicão estava muito sujo, assustado e machucado. Achava que a pata estava quebrada, mas Dr. Leandro viu que ele havia recebido eram umas brutas de umas mordidas. Ele não é castrado, pesa onze quilos e pela dentição tem aproximadamente dois anos.

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Dr. Leandro aplicou três injeções nele, antibiótico, antiinflamatorio e analgésico, além de enfiar goela abaixo um remédio para matar as pulgas. Recomendou um banho, me passou um milhão de remédios e tirou seu sangue para ver se estava tudo bem.

Nesse meio tempo, mandei uma mensagem para meu namorado, avisando que teríamos companhia para os próximos dez dias, pois era o tempo da medicação do Chicão. Escrevi literalmente cheia de dedos, pois quando você divide sua casa com alguém, as decisões precisam ser tomadas em comum acordo, e estava morrendo de medo do namorado vetar a entrada de Chicão para tratamento.

– Ele vai latir? Vai fazer xix? Vai fazer cocô?

É, vou ter que trabalhar muito a minha escrita nesse Whatsapp.

chicao5 Esse é o Gustavo, que deu banho com todo carinho no Chicão

Acompanhei o banho dele, comprei um kit de sobrevivência para cachorros e fomos para casa. Ele estava meio sem entender, até porque antes ele era um cachorro abandonado, agora ele era um abajur cheiroso.

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As primeiras horas foram de “o que está acontecendo comigo”, o levei para passear e ele sempre chegava perto dos carros, onde morava.

Ao lado do meu prédio, uma senhora me chama, era Dona Therezinha, perguntando se aquele cachorro era o cachorro da rua. Quando disse que sim, Dona Therezinha nem acreditou. Disse que dava ração para ele e que também misturava dipirona na carne para que ele não sentisse dor, pensou em leva-lo para casa, mas já tinha adotado alguns cachorros. Seu marido estava desempregado e ela era que sustentava a casa, então Dona Therezinha ajudava como podia.

Disse também que havia uma pessoa que já queria adota-lo havia um tempo. Pedi para ela entrar em contato com essa pessoa, afinal de contas, tudo ainda estava muito incerto e a única certeza que tinha, era que ele iria se curar na minha casa.

Já em casa, comecei a aprender como era ter um cachorro, Chicão escolheu a varanda e deu algumas demonstrações de alegria abanando seu rabo desengonçado junto com seu quadril “gringo sambando no carnaval do Rio”. Reparei também que ele mostrava os dentes, de felicidade. Era como se ele rosnasse, mas sem rosnar e sim sorrise. Cai na gargalhada ao constatar tais trejeitos.

Mais tarde, vi que ele havia adormecido em cima de um tapetinho, fazia frio e coloquei outro tapetinho em cima dele como uma coberta. Estava exausta, lembrei que só tinha tomado um iogurte, abri o armário, encontrei um pacote de Bono de Morango no final e mandei para dentro.

Decidi cochilar no sofá, fiquei com medo de cochilar no quarto e ele precisar de mim. Depois disso ganhei um cocô na sala e um xixi estratosférico no escritório, mas sabia que necessidades fisiológicas estavam inclusas no pacote.

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Meu namorado custou a chegar em casa e quando chegou, lá estava ele com uma casa enorme para cachorros.  Venta muito na varanda, ele não pode sentir frio, disse. Alguns minutos depois, nossa varanda estava completamente reformulada e adaptada para a primeira noite indoor nem tão indoor assim de Chicão.

Não preciso dizer que éramos dois bobões babando a cria e só dormimos quando tivemos certeza que Chicão estava em paz.

CAPÍTULO 4

Por um milagre divino chamado Chicão, levantamos da cama antes que qualquer despertador tocasse. Ele ainda estava dormindo e demorou a engrenar a marcha com dois humanos bobões o acordando.

Minha rotina havia mudado completamente e só descobri isso quando me vi enfiando um jeans, colocando um casacão, escovando os dentes e dizendo as palavras que ainda não são mágicas para Chicão:

– Vamos passear?

A pata dele desde que saímos do veterinário já apoiava no chão, sinal que as mil injeções e remédios enfiados em patês caninos estavam fazendo efeito. Descobri que Chicão é um cão que gosta de correr, e me arrependi de não ter calçado tênis para acompanha-lo, afinal fiz um AEJ (Aeróbio em Jejum) que deixaria qualquer tchutchuca fitness com inveja. Enquanto tentava faze-lo entender que com uma guia não se vai a todos os lugares no momento exato que se deseja um grupo de caras passou por mim. Um deles olhou espantado e falou:

– É o cachorrinho machucado da rua? Que lindão que ele está!

E lá concordei eu, sorrindo e estufando o peito orgulhosa, como um pombo em desfile de independência pombal.

– Meu garoto! – pensei.

O segundo passeio do dia foi mais divertido ainda. Passei em frente ao stand de vendas, onde sabia que Chicão tinha amigos, e logo fui chamada por uma menina, a Amora.

Amora queria saber se ele era o Billy, cãozinho que ficava na rua e estava machucado. Em questões de minutos, Billy, agora Chicao, já pulava em cima da Amora sujando completamente seu vestido. Quando percebi, Chicão estava rodeado de velhos amigos, tirando milhões de fotos. Descobri pela Lourdes (dava para perceber o afeto que tinha com Billy) havia feito uma campanha na Internet para adoção. Todas aquelas pessoas que me rodeavam de alguma forma haviam ajudado aquele cãozinho, se preocupado e tentado fazer qualquer coisa que fizesse sua vida um pouco melhor.

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Uma das fotos que a Amora compartilhou no Facebook em busca de um dono para na época, o “Billy”. Nessa foto ele ainda não tinha machucado a pata, mas já havia sido chutado por seres humanos não evoluídos.

Chicão respondia com afeto a todos eles, ganhou um pedaço de carne (eles me falaram que comida era a “comida” favorita dele), abanava o rabo, ficava em duas patas, dava aliviadas lambidas. Parecia saber que no meio do caos que vivia, existiam pessoas que prezavam por ele.

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Fiquei sabendo que não era a primeira vez que ele havia se machucado. Algumas semanas antes, alguém desprovido de bom coração havia chutado violentamente o cãozinho fazendo com que ele mal pudesse andar com as patinhas traseira.

Sem nem esperar, um simples passeio havia se tornado uma comemoração e tanto. Dava para ver nos olhos de cada um a alegria de ver Chicão em segurança.

Recebi dicas de alimentação, adicionei novos amigos no Facebook, tiramos fotos e trocamos mil figurinhas sobre Billy, agora Chicão.

E depois desse happy hour em pleno almoço de sexta-feira, aquela rua que durante um ano para mim era uma rua completamente sem vida, sem coração no meio do nada havia se tornado enfim um lar.

Estou refletindo muito desde aquele bate papo que tive. Penso que no universo, tudo vai se encaixando da melhor forma possível.

Já havia um tempo que vinha falando com meu namorado que queria adotar um cãozinh. Isso já estava “mentalizado” na minha cabeça, mas nunca havia tomado a iniciativa de assim fazer (o que agora me parece como ter filhos, nunca é a hora, mas quando eles aparecem sem querer são uma benção).

Em paralelo a isso, algumas pessoas de bom coração haviam se comovido com o cãozinho, que um belo dia surgiu em frente ao trabalho deles. Cada um deles, de sua forma se movimentaram para fazer com que a vida dele ficasse melhor:  Dando comida, água, remédio para dor ou fazendo campanhas de adoção pela Internet. O curioso é que enviei mensagens para o grupo do condomínio do meu prédio e ninguém me deu atenção. Mal sabia que a atenção estava ao lado do meu prédio e não nele.

Parece que cada um foi fazendo sua parte, até que o quebra-cabeça finalmente completou-se.

Fico muito grata de saber que existem pessoas do bem, e que aquele cãozinho não estava entregue completamente, e que existiam anjos da guarda o rodeando.chicao8

Chicão é um doce de cão e estamos, eu e meu namorado, de coração aberto para dar todo o carinho do mundo para ele. Óbvio que não fazia nem um pouco parte (AINDA) de nossos planos termos um roomate de quatro patas, mas na vida quem disse que as coisas acontecem da forma que planejamos?  Adaptar-se é preciso! E hoje, com um pouco mais de 24 horas de convivência intensa com Chicão, já posso dizer que estou completamente apaixonada por ele e que a partir de agora irei aprender algo sobre amor todos os dias dos meus próximos muitos anos de vida.

Que mulher de sorte eu sou!

(Nossa, acabei de reparar que ainda não tenho uma foto oficial da família! Precisamos providenciar isso urgente!) adocao E na Internet, o pessoal que estava torcendo por ele já compartilhou a boa nova!

Sobre Nicole

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Bia Derenzi disse:

Linda história, comovente e amorosa. Mais um motivo para ter mais orgulho de você.