Querido namorado,
Dizem que tudo vale a pena quando a alma não é pequena. E enquanto você não lê a mensagem que lhe enviei por Whatsapp, resolvi escrever uma carta aberta.
Mas por que uma carta aberta? Pelo simples fato que preciso me defender e me justificar, e nada como assumir uma grande cagadinha publicamente.
E é o que farei aqui.
Você não se apaixonou por mim em um autódromo, muito menos em um kart.
Quando você me pediu em namoro, você já sabia algumas coisas importantes sobre mim, dentre elas, minhas duas bombas na auto-escola por causa de baliza.
Namoramos, fomos felizes, aliás somos felizes, não somos? Diz que ainda somos, depois de você ler minha mensagem, diz?
E depois que as coisas ficaram sérias e eu finalmente consegui passar na auto-escola, você me deu a maior prova de amor que um homem pode dar para uma mulher.
Pausa dramática: Na visão de uma mulher, a maior prova de amor que um homem pode dar é um anel de diamantes, da Tiffanys de preferência.
Você dividiu o seu carro comigo.
Sabia que era para valer nosso relacionamento, quase que uma prova de amor eterno.
“Nunca permiti isso com nenhuma namorada”, você disse certa vez, me colocando no topo do topo do topo de todas as outras loiras que passaram na sua vida.
Yeah!
A carteira provisória já se foi, como também já se foi todo o rancor provocado por um arranhadinho de nada que causei no veículo certa vez que sai distraída de uma vaga.
A culpa, juro de pés juntos, foi do carro grande da menina que trabalhava comigo.
Veja bem, a culpa não foi da menina, e sim do carro estar alinhado cosmicamente perpendicular com o meu (minto, o seu carro, força do hábito), naquele momento, naquele dia e naquela garagem.
Nunca levei uma multa, e quando furei o pneu consegui sobreviver, apesar de ter praticamente destruído o mesmo, enquanto rodava com o pisca-alerta ligado e meus batimentos cardíacos a 205bpm tentando achar o Chapolin Colorado no meio da Castelo Branco, enquanto você não me atendia.
Hoje trabalhei, recebi os moços que iam trocar todos os espelhos da casa, levei o Chico para o veterinário, você sabe a missão que é levar um cachorro em um veterinário sozinha em uma outra cidade? Pois é, missão! Como as mães conseguem com seus filhos, sozinhas? Sério, troféu para elas, porque levar um cachorro é tenso, imagina uma criança. Não ao veterinário, mas em qualquer lugar.
Precavida e malandra que sou, dei a dose recomendada de Dramin para que Chico não vomitasse no trajeto.
Também fui ao supermercado e ajudei o pessoal do banho do Chico o distraindo.
Na volta, achei Chico meio bêbado, sonolento demais, mas imaginei que fosse a dose da ultima vacina que ele tomou, Giargia conhece? Ou então, que o Dramin ainda estava correndo em seu sangue.
Mas de repente, ploft. Vômitozinho fresquinho, no estofado do seu carro, porque a canga que servia de forro ele já havia tirado, óbvio.
Eu dirigia pela Marginal Pinheiros e a única coisa que pude fazer foi gritar “NÃO”, para que ele parasse de lamber o próprio vômito. Estava com fome, tadinho. Justamente para ele não vomitar, havia dado quase nada de ração de manhã.
Mas vamos ao que interessa.
Hoje você foi de taxi para o trabalho e eu prometi busca-lo de carro, mas não vai dar amor meu. Não vai dar mesmo.
Aliás, se o sindico te ligar, ignora tá?
As nossas duas vagas são complicadas, você sabe muito bem. E você colocou a moto logo na saída das vagas, e você sabe que as duas vagas nada mais são do que uma longa vaga. Logo eu precisei entrar de ladinho, pela vaga do vizinho.
O Chico vez pulava em cima de mim, vez ia para o seu montinho de ração reciclada.
Atrás a moto, na frente as duas bicicletas e de lado uma pilastra.
Sério, eu sou muito boa de roda, amor. Porque diante desse caos todo eu soube exatamente a hora de parar.
O sexto sentido da mulher é fabuloso, e sei lá porque achei que seria legal eu sair do carro para avaliar a situação por outro ângulo, pensar “out of the box”, sabe? Literalmente, risos, risos.
Vi que a situação estava preta. E não é porque o carro é preto não. É que eu estava com problemas, aliás, ainda estou. Não, não estou. Porque esse problema agora é….
Mas calma, antes de mais nada, eu queria que você soubesse que eu te amo, e que se aborrecer por besteira em nada nos acrescenta. E que não devemos chorar o leite derramado.
Alias, good news, amor. O leite ainda não derramou! AINDA.
Eu vendo aquela situação toda, subi com o cachorro, desci com panos, papel toalha, desinfetante e fui direto na portaria.
Sabia que um homem poderia me ajudar nessa, e você nunca saberia do que ocorreu. Mas quem estava na portaria agora era a Neide, que é ótima, eficiente e excelente funcionária, mas não sabe dirigir. Ou seja, além do vômito, do cachorro, das compras, da limpeza do vômito, dos mil braços que não tenho para subir com as compras, eu decidi te mandar para casa de taxi, eu pago, esse não é o problema. Mas não vai rolar ir até o Brooklin agora não.
Já avisei à Neide, caso o síndico reclame que o carro está fora da vaga. Não, não, o carro está na vaga, mas está também um pouco na zona morta entre a nossa vaga e a do vizinho. O ponto é que eu tenho uma precisão tão cirúrgica que a maçaneta do carro está a milímetros de distancia da pilastra. Milímetros mesmo, acho que uma folha de papel sulfite entala ali.Entendeu porque não rola eu sair de carro? Aliás, o que essa pilastra faz ali? Serve para nada meu Deus.
Eu sei que você está muito feliz de eu não ter arranhado o seu carro, sim ele está intacto.
De nada, fui muito esperta em larga-lo lá do jeito que ele está.
Mas como sempre dizemos que somos uma dupla, hoje provaremos isso. Aposto que você vai tirar o carro daquela enrascada sem nem piscar.
Não, você não vai poder piscar mesmo não, e eu nem quero estar presente quando isso acontecer.
Aliás, acho que vou pegar uma ponte aérea agora para o Rio, saudades de lá.
Eu voltei ontem de lá, eu sei, mas a saudade está doendo no meu peito.
Ah, sobre o chopp que você queria tomar, pode ir, vai sem hora para voltar. Quer ir para festa com todos os seus amigos solteiríssimos e cafas? Pode ir amor, confio em você. Você não tem amigos nessa situação? A gente arruma!
Ficar comigo esse feriado? Não se preocupa não, imagina, temos uma vida inteira pela frente. Vai sair, se distrair, esquecer que eu existo um pouquinho.
Não ligo, juro.
Ah! Abasteci o carro para você. Eu sei, eu sei que você me ama.
Eu também.