CÃES SEM FRONTEIRAS

CÃES SEM FRONTEIRAS

Os cães tem uma capacidade muito bacana, a capacidade de unir as pessoas. Por exemplo, você não sai andando pelas ruas sorrindo para a pessoa que cruza por você [Caso você more em grandes cidades].

Agora experimente sair com seu cachorro e cruzar com outros cachorros acompanhados por seus humanos?

Sorrisos, cumprimentos, risadas ou justificativas sobre o comportamento do peludo. Pode ter certeza que algum dessas opções acontecerá neste encontro.

Digo mais, os cachorros nos tornam seres humanos muito mais legais e sociáveis. Já perdi a conta de quantas vezes levei o Chico para passear no Parque solitária e minutos após a minha chegada, já estava em um animado bate papo com uma pessoa completamente estranha – até aquele momento.


Hoje não foi diferente. Sem perceber engrenei em um animado papo com uma senhora que viveu por muitos anos no Canadá. Sua procedência foi revelada após a própria me contar que seu cão era canadense, o que nos deu margem para um gostoso bate-papo de mais de uma hora sobre a sua vida – naquela tarde em  que São Paulo estava muito mais próximo do Sol do que o de costume.

Descobri por exemplo, que os ursos onde ela morava não eram tão temidos, pois sempre mantinham uma certa distância das casas. Temidos mesmos eram os lobos que viviam em matilhas e no inverno se tornavam mais agressivos devido a escassez de comida.

A solução para a agressividade dos lobos foi sugerida (e acatada) certa vez por um índio local.

Se os lobos cruzassem com os cães que puxavam os trenós (calma, não vamos confundir com os cervos do Papai Noel, estamos falando do Canadá, não do Polo Norte), ou até mesmo os Pastores Alemães (gerados no Canadá mas com direito a passaporte alemão) as próximas gerações viriam digamos mais calmas e domesticadas.

Outra solução – mais imediata – seria deixar os restos de comida para os lobos, sempre a uma distância segura das casas dos moradores do vilarejo.

Minha companheira de bate-papo me contou que seu cão, um pastor branco belíssimo e muito exótico para quem vive nos trópicos, era descendente de um desses lobos. Poxa, poderia ter tirado uma selfie com ele!

Ela também me contou o que aprendeu com os lobos que passou a alimentar, lobos esses que ela chamava carinhosamente de “minha matilha”.

Existia uma ordem entre eles. O lobo ALFA, ao contrário do que ela imaginava, não era um general que se aproveitava de seu posto para ter algum tipo de vantagem perante o grupo. Pelo contrário, quando a comida era deixada para eles, mesmo que em uma quantidade pequena, o alfa era o primeiro a chegar perto para checar o “delivery“.

Checagem realizada, o líder dos lobos era sempre o último a comer. Ele precisava garantir que sua matilha inteira seria alimentada. Havia inclusive uma ordem de prioridade, onde lobos filhotes, idosos e fêmeas se alimentavam antes do resto do grupo. O curioso, disse-me ela, era que todos os lobos comiam apenas o suficiente para que sobrasse para o resto do grupo.

Vez ou outra minha companheira de papo notava a ausência de algum lobo, o que de certa forma a entristecia. Ela sabia que por alguma razão um deles havia morrido.


Escrevo esse texto porque encontrei links muito interessantes sobre o poder que os animais podem ter com os seres humanos.

Dos passeios solitários que terminam em gostosos bate-papos.

Da vida – também – solitária em um vilarejo no interior do Canadá, onde o inverno predomina durante quase o ano por completo. E que dentro daquela vida tão diferente da brasileira, uma matilha de lobos acaba se transformando em companhia para alguém que estava longe de tudo que lhe era acolhedor.

A senhora riu ao se dar conta que estava contando sua vida para uma completa estranha, o que resultou em uma análise interessante sobre a questão da intimidade vista por um brasileiro e por um canadense.

Não eramos mais estranhas porque nos permitimos tal “invasão” sobre a vida alheia. Em seu antigo país, me contou que as pessoas – quando estranhas umas às outras – costumavam a dar um passo para trás para se distanciar mais e lembrar que entre elas havia uma intimidade que não deveria ser ultrapassada.


Do Canadá viajamos diretamente para a Síria, não sem antes meu corpo inteiro se arrepiar com a história que ela começava a me contar.

Seu filho é médico com mestrado, doutorado e um currículo de bater palmas. Bom, bater palmas mesmo, de pé, eu deixaria para bater não pelo seu currículo, mas pela sua escolha de vida.

O filho dela trabalha no Médico Sem Fronteiras na Síria. Seus trabalhos anteriores haviam sido na Nigéria e no Afeganistão.

(Não tinha dito que tinha me arrepiado toda?)

Não ganha o que merecia com tantos títulos e coragem. Sua mãe – com toda razão do universo – vive com o coração na mão. O contato com o filho é sempre difícil, mas ela estava aliviada pois haviam se falado no último domingo.

Apesar de todo o sufoco, faz o que mais ama. Vive uma vida de cigano em uma das áreas, se não a mais, perigosa do mundo, enquanto sua mãe tenta encarar com a normalidade impossível de se ter em uma situação dessas. Torce para que ele se case, mas sabe que seu filho precisará encontrar uma pessoa tal qual como ele, e de preferência no mesmo grupo da realidade que escolheu para ser sua.


Conversamos sobre vários assuntos sem pretensão alguma. Tão despretensioso foi o bate-papo que sequer sei seu nome. Mas hoje, ao ir embora daquele parque, eu só conseguia pensar que desde que Francisco entrou em minha vida, quantas pessoas bacanas já cruzaram meu caminho, mesmo que apenas por algumas horas em uma tarde de sol?

Esses animais são tão incríveis que nos ensinam a sermos até mais humanos.

Foi um prazer te conhecer, amiga dos lobos.

 

Sobre Nicole

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