O TAXISTA CAMARADA

O TAXISTA CAMARADA

Acho que essa foi a primeira crônica que escrevi. Obviamente nem sonhava que descrever fatos com um olhar peculiar seria um gênero de escrita, mas um belo dia estava em São Paulo a trabalho e precisava voltar para o Rio. Foi no caminho de volta que conheci um taxista muito gente boa.

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Ela sai do trabalho atrasada com mala, mochila, bolsa e o que possa caber a tiracolo. Enfia-se no primeiro taxi que aparece, mas tem o cuidado de perguntar se haveria problema em pagar com uma nota de cem reais afinal, ela acha uma puta sacanagem deixar o taxista vendido no final da corrida.

Cena 1:

– Para Congonhas, por favor.

– Quão atrasada à senhora está? Porque dependendo do atraso a gente dá um jeito!

A cidade era São Paulo.

O dia, uma sexta feira.

A hora, do rush.

Ela agradece a gentileza e comenta:

– Na teoria estou sim atrasada, mas como ainda vai chover até chegarmos lá, e com isso o aeroporto vai fechar e meu voo atrasar, na prática estou no horário sim!

Todavia ela não foi convincente o suficiente com seu argumento e Seu Taxista logo começou a desbravar a cidade por ruelas longes do tráfico comum daquele momento, com a única e exclusiva finalidade de chegarem ao destino o quão antes.

Cena 2:

Vias principais alguma hora são inevitáveis. Carros, motos, congestionamento também.

Mas do nada Seu Taxista tira o cinto, abre a porta, sai do carro, abre o carona e busca a mala que estava ali aproveitando sua viagem no banco da frente e a coloca rapidamente no porta-malas.

Ela não entende, mas resolve questionar Seu Taxista.

– Minha senhora, passaram duas motos que não pararam de olhar para sua mala. Sabe como é, achei mais seguro guardar a sua mala lá atrás, não podemos dar mole.

Ela ficou bestificada com as luzes da cidade, ops, na verdade ficou bestificada com tamanha gentileza daquele taxista, morador de Interlagos onde comprara seu terreninho muitos anos atrás, cearense, mas paulistano de coração e opção desde 1964, ex funcionário da Ford no ABC Paulista e que resolveu virar taxista para ajudar seu vizinho que comprara o título de um agiota e que não conseguira quitar suas dívidas – afinal, segundo suas palavras poderiam matar seu vizinho! O querido Paiva!

Sua filha hoje trabalha na China e retorna para o Brasil em breve depois de cinco longos anos, batalhou, correu atrás e hoje é uma mulher de sucesso, é orgulho do pai.

Seu Taxista também ficara muito comovido com a tragédia na cidade natal da passageira, fez graça ao xingar a mulher barbeira da frente, e muito preocupado depois de alguns palavrões, perguntou à passageira se a barbeira poderia ser sua amiga, e se fosse gostaria de pedir perdão pelo xingamento.

Chovia muito em SP e Seu Taxista estacionou seu carro. A corrida havia dado trinta e um reais, mas ela pediu para que o troco fosse para quarenta.

O taxista então exigiu com a braveza de um nordestino: A senhora não saia do carro enquanto eu não retirar sua mala! A senhora ficaria encharcada!

Ela riu e obedeceu prontamente a ordem do seu protetor nesta etapa final de sua semana extremamente conturbada na cidade de pedra que ela tanto admira.

No final aquele doce taxista questionou:

– Mas conseguimos chegar no horário para seu voo, não conseguimos?

Ela quis perguntar seu nome, mas achou invasivo. Procurou identificação, mas não conseguiu encontrá-la. Queria também ter dado uma grana a mais, mas gentilezas são gentilezas e justamente por isso levam esse nome.

O curioso é que nos dias de hoje nos espantamos tanto que queremos até pagar por algo tão puro e sincero não é?

Ela não queria parecer muito folgada, se despediu apenas agradecendo sua atitude – mas na verdade o que ela queria mesmo era dar um abraço naquele senhor tão gentil, mas achou conveniente apenas agradecer verbalmente. Um sinal puro do endurecimento das pessoas de hoje em dia.

Que Deus e a cidade de SP abençoe esse taxista de tão bom coração. E que em cada esquina exista uma cópia de Seu Taxista para trazer mais harmonia a este insano planeta.

 

* Esse texto foi escrito na época que o Rio de Janeiro sofreu com uma grande tragédia nas serras de Petrópolis, Itaipava e Friburgo. As chuvas mataram centenas de pessoas e a comoção foi nacional.

 

 

Sobre Nicole

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