Eu fui para a Índia ano passado com uma amiga. Quando decidimos ir para lá a maioria das pessoas acharam meio insanidade o fato de duas mulheres irem para a Índia sozinhas. E de certa forma elas estavam corretas.
“E de certa forma elas estavam corretas”.
Tenso isso, né? E o direito de ir e vir? Pois é, sempre escutamos histórias tenebrosas lá para os lados da Índia, lá longe.
Mas tão lá perto também.
Vocês não podem ir sem a presença de um homem!
Cuidado com a roupa que vestem!
Não andem sozinhas jamais.
Vocês viram aquela turista que foi estuprada por não sei quantos indianos ?
E assim lotadas de advertências fomos montando nossa viagem.
A Índia consegue ser um país incrível e assustador ao mesmo tempo.
A religião está presente em 99,8% dos indianos, o que soa até muito bonito, pois eles diante de tanta pobreza sorriem.
A maioria reza no mínimo uma vez por dia em seus templos.
A espiritualidade está presente em todo canto que você olha, junto da pobreza, e junto de um machismo cavalar que assusta.
Como pode religião e machismo caminharem de mãos tão dadas?
Após um milhão de “tomem cuidados” optamos por fazer a viagem via uma agência super de confiança – e cara.
Contratamos um pacote de viagem onde nossas estadias só aconteceriam em hotéis cinco estrelas. Para toda programação combinada teríamos um motorista e um guia conosco.
Todos homens.
Nunca estaríamos sozinhas.
Em nossas malas não havia uma roupa mais “descoberta”. Nada justo, nada decotado, nada que mostrasse partes de nosso corpo. Nada.
Echarpes de lote.
Quando chegamos no aeroporto nosso motorista e um homem da agencia nos esperavam.
O motorista durante o trajeto ate o hotel não tirou os olhos dos nossos colos, sendo que estávamos com blusas extremamente fechadas.
Lembro que aquilo me incomodou. Tanto incomodou que já coberta, cobri meu colo com a echarpe.
Assim me senti mais confortável.
O que duas mulheres independentes fariam na India sozinhas?
Isso atraia demais a curiosidade daqueles homens que casados, tinham suas mulheres em casa e que só trabalhavam em prol do marido.
Fomos aconselhadas a dizer que éramos casadas. Inclusive a usar anéis simulando o anel de casamento.
Ficaria menos perigoso.
Não tivemos um guia – que mudava dependendo do programa e da cidade que estávamos que não nos olhasse com “curiosidade”.
E durante nossa estadia inteira, éramos deixadas no hotel lá pelas 17:30 hr e aconselhadas a em hipótese alguma circularmos sozinhas pelas cidades.
Durante as quase duas semanas que ficamos lá não vimos a noite do lado de fora de nossos hotéis.
Todos olhavam para nós com curiosidade, éramos ocidentais, brancas, altas e desacompanhadas.
Homens e mulheres sempre nos olhavam como se fossemos cangurus.
Pediam para tirar fotos, e depois de muitas negativas nossa, o guia nos explicou que era apenas curiosidade local e que não havia problemas em tirar fotos, seria até simpático.
Mas ele sempre ficava meio cabrero quando homens pediam. Se ele ficava imagina nós.
Certa vez, em uma mesquita, estávavamos completamente vestidas com trajes que eles alugam nas portas das mesmas, como se fosse uma bata até o chão – esqueci o nome – roupa esta que não mostra nem um pingo de qualquer tipo de curva de qualquer tipo de corpo.
Neste dia, uma família pediu para tirarmos fotos com suas crianças e começou a ocorrer uma aglomeração em nossa volta. Todos queriam matar a curiosidade e tirar uma casquinha das ocidentais diferentes.
Foi estranho ver tantas máquinas em nossa direção, e quando um grupo de garotos mais novos se aproximou nosso guia fez as vezes de segurança e cortou a bagunça que poderia se iniciar.
Eu e minha amiga ficamos meio chocadas.
Não houve desrespeito, mas foi estranho.
Outra vez precisávamos ir ao banheiro e avisamos ao guia. Ele ficou nos esperando em um local combinado e saímos andando.
Alias, não teve uma única vez em que nos afastávamos do nosso guia indiano para ir ao banheiro que não éramos abordadas por indianos.
Eles nos abordavam mesmo. Em uma abordagem quase agressiva, intimidadora.
Mulheres sozinhas ali eram pedaços de carne.
Nós éramos pedaços de carne.
No começo até éramos no mínimo simpáticas, mas rapidamente entendemos que dependendo da situação simpatia não ajuda em nada, então passamos de simpáticas para grossas.
Era questão de segurança.
Louco isso, né?
Fomos almoçar em um restaurante. Estávamos de férias e pedimos uma cerveja. Duas mulheres. Sozinhas. Almoçando em um restaurante. Tomando cerveja.
Olhares. Muitos olhares. Só repetimos isso depois dentro dos hotéis que nos hospedamos.
Certa vez em Jaipur, nosso motorista queria nos levar em umas loja off-roteiro da viagem. A verdade é que nessas viagens te entubam umas lojas para que você compre produtos e os guias ganham uma comissão nessa compra. O nosso motorista conhecia um local que os preços eram melhores, mas tudo por baixo do pano.
Inicialmente achávamos tranquila a ideia. Mas queríamos saber exatamente onde ele iria nos levar, por que né?
Ele explicava que era mais afastado, ficamos meio sem graça de dizer não porque o cara era gente boa, e resolvemos arriscar.
Combinamos uma hora, ele nos buscou, mas na hora que saímos com o carro do hotel vimos ele fazendo sinal para um outro cara que estava do lado de fora de um carro.
Esse cara entrou no carro e foi atrás do nosso.
SINAL VERMELHO EXPLODINDO.
Comentei em português com a minha amiga, e algo me dizia que aquilo não era bom.
Inventei na hora para o motorista que estava passando mal, inclusive que queria vomitar e precisava voltar urgente para casa.
O cara ficou puto, mas retornamos.
Na volta do caminho comentou que havia ajudado um cara que estava com bateria arriada na porta do hotel – e talvez por isso o cumprimento na saída do mesmo.
Não sei se eu estava paranoica, mas havia lido que na semana anterior uma japonesa havia conhecido um indiano na rua, ele se fingiu de guia, ela acreditou e terminou a noite sendo estuprada por seis caras nos arredores da cidade.
Fritei a cabeça sobre a atitude do nosso motorista-gente-boa, e depois acabamos percebendo que o cara não estava de má fé, e sim ficou bravo por que era a chance dele ganhar o dele também.
Em um outro dia acabamos indo no lugar que demos para trás.
Realmente era no quinto dos infernos, mas os preços melhores, produtos super bacanas e a comissão era pro nosso motorista que estava há dias trabalhando para a gente.
Fomos mas fomos mega de butuca ligada.
Sim, sabemos que fizemos uma insanidade.
Mas fizemos roupas lindas também que foram entregues em nossos hotéis no dia seguinte.
É foda isso.
Um país incrivelmente maravilhoso e assustador ao mesmo tempo.
Senti muito por não ter ido a vários lugares a pé, com liberdade. Mas entendi que se eu quisesse estar lá, em segurança, teria que deixar de fazer muitas coisas.
Lá as regras eram assim, para nós mulheres.
Quando retornei ao Brasil, a maioria das pessoas que tivemos contato tinham nossos telefones, para combinar horários de transfers, etc.
Sim, fiquei recebendo algumas mensagens de alguns caras durante algum tempo.
Nada que fosse abusivo, mas de fato para eles, duas mulheres sozinhas viajando pelo mundo seriam “possíveis presas”.
No começo quis ser educada, mas depois deixei de responder, excluí e bloqueei os caras.
Cultura.
Cultura.
Baile de favela ou no país mais espiritualizado do mundo.
Ser mulher em qualquer lugar do mundo é foda.