Você está com fome.
Pensa na sua alimentação péssima das últimas semanas, err… meses.
Sente-se culpada.
Lembra que comprou mais cedo duas lindas maçãs em um supermercado milionário a preço milionário.
Respira fundo.
Olha para o saco de bisnaguinha e lembra do motorista do Uber de mais cedo, também estudante de nutrição, dizendo que bisnaguinha dá gordura visceral.
Sim, vocês conversaram sobre bisnaguinha no trajeto. Antes mesmo de saber que o motorista também era um estudante dos nutrientes.
Fica triste pelo poder de destruição da bisnaguinha e lembra que já comeu quatro delas no café da manhã.
Respira fundo e pensa na saúde da baby.
Abre a geladeira e pega a maçã milionária.
Lava a maçã milionária e enquanto esfrega o iphone comestível viaja a respeito de todo caminho que aquela maçã precisou fazer para chegar até aqui.
Tenta imaginar de onde ela saiu, de que pomar.
Pensa que nunca viu um pomar de maçã.
Pensa em quem será que deve ter colhido aquela maçã.
A história de vida do mocinho ou da mocinha que tirou ela da árvore.
Se bem que não Nicole, você está romanceando até um pé de maçã.
Nos dias de hoje provavelmente foi uma máquina mega moderna, que tirou o emprego do mocinho.
Pensa na beleza dela que resistiu até São Paulo e o quanto que ela não deve estar lotada de agrotóxicos.
Agrotóxicos, drogas da agropecuária.
Traficantes.
Esfrega, esfrega e sente saudades do limão-capeta todo cascorento que pegaram na roça outro dia, agrotoxico free.
Pega uma faca.
Sinceramente acha que a maçã cortada com faca fica diferente de maçã cortada com os dentes.
Lembra da avó Carmelita que cortava a maçã em quadradinhos e salpicava açúcar para que ela comesse.
Começa a achar doce a maçã drogada.
Leva ela até a mesa, onde ainda há MUITO o que fazer, e percebe que está procrastinando loucamente tendo devaneios sobre uma maçã.
Corta a maçã.
Para.
Não crê no que sente.
Depois de tantas reflexões, de ter viajado trocentos quilômetros no formol dos agrotóxicos, quando finalmente chega em seu destino final, ela está horrível por dentro.
Linda por fora e horrível por dentro.
Tenta algumas mordidas, mas ela está mais fofa e aereada que não sei o que.
Desiste.
Abre o Facebook e gasta mais tempo ainda desabafando as auguras de uma maçã bela por fora e feia por dentro.
Olha para o saco de bisnaguinha, pensa em sua gordura explícita e sua mínima preocupação em mostrar ser o que não é.
Dá adeus à linda maçã e encara a realidade dura e crua daquele saco que não está nem aí com a hora do Brasil.
Em tempos onde nem tudo que reluz é ouro, diga ao Bisnaguinha que eu o como.
De novo.