N/a Crônicas
O percurso dura cerca de uma hora entre duas linhas de trem e duas de metrô até o destino final da minha viagem.
Assim que entro na segunda baldeação, percebo que o trem está super vazio e o ar condicionado faz morrer de inveja os ônibus cariocas com ar que só funcionam no inverno, sendo tão necessários apenas no verão.
De repente, um senhor se aproxima:
– Esse trem passa em Santo Amaro?
– Desculpe, não sou daqui, mas vamos procurar Santo Amaro ali naquela plaquinha com as paradas…
– Sabe o que que é minha filha… É que eu não sei ler…
GLUBT.
Que sensação ruim escutar de um senhor que ele não sabe ler. Escutando isso caímos em uma realidade muitas vezes mascaradas pela nossa privilegiada realidade.
Será que eu conseguiria ensinar ao menos as vogais até chegar na minha estação?
Fiquei muito mais constrangida de ter escutado que ele não sabia ler do que aquele senhor de ter me contado.
– Santo Amaro fica daqui a treze estações, digo aliviada.
Mas após terminar minha frase realizo que sou uma estúpida. Se ele não sabe ler ele também não deveria saber contar…
– Olha, Santo Amaro vai demorar um pouco, eu vou saltar em Pinheiros e o senhor vai aguardar um pouco, mas não se preocupe, eles avisam pelo alto-falante.
– Ô minha filha, eu não tenho vergonha não, se a mocinha não falasse como que eu iria fazer? Mas quem tem boca vai à Roma, né? Eu não sei ler, mas eu vou à Santo Amaro.
(…)
– As minhas filhas não gostam que eu saia de casa porque eu não sei ler. Elas tem medo que eu me perca, mas imagina filha, tenho 68 anos, não sei ler mesmo não, mas não vou me trancar em casa por causa disso.
(…)
– Você sabia que eu nunca estou sozinho? Sabe por que? Quem tem Deus nunca está só, por isso saio por aí, mesmo sem saber ler. Eu e Deus.
(…)
– É a primeira vez que vou à casa dessa minha filha.. Aqui em São Paulo não é igual ao Norte não. No Norte “nóis” fica deitado vendo a vida passar… Aqui todo mundo tá sempre correndo para trabalhar… Minha filha só trabalha, por isso nunca consegui conhecer a casa dela.
– Bom… Boa sorte para o senhor, minha estação já é a próxima…
– Vai lá minha filha. Feliz Natal e feliz ano novo. E lembra sempre do que o véio, que não sabe ler, vai te dizer: Nunca tenha vergonha de perguntar o que você não sabe, nunca! Quem tem boca pode até não ir para Roma mas vai pelo menos à Santo Amaro.
– Xá comigo!
Muito bom Nicky, este é o primeiro passo para a publicação do livro. Parabens e beijo, tio Tommy
Tio, que bom que gostou! Beijo grande!