Duas crianças sentam ao meu lado com os cabelos mais penteados que o meu mil vezes no vale do eco. Elas estão com suas famílias mas pediram para sentarem juntas. São umas bonequinhas e lembrei que minha avó também tinha mania de colocar um laçarote engomado no meu cabelo, eu odiava, mas ainda não perguntei a elas como se sentem.
– Partiu São Paulo! Disse uma no auge dos seus hm… Nove anos?
Começaram lendo as instruções de segurança do avião.
– Não tem pára-quedas! Disse a do meio.
– A gente vai escorregar, que máximo! Disse a do corredor.
(Respiro fundo com tamanha empolgação).
– Mas se o escorrega for pequeno demais?
– Mãe, pelo amor de Deus não usa seu celular em vôo.
Sentada perto, uma das mães pede:
– Cuidado com esse coque, sua mãe não sabe fazer outro!
– Sabe sim, se você fez um você faz outro né, manhê?
Já tentei me enturmar, não muito porque to caindo de sono, mas a lei da sociedade pede né? Ajudei as meninas a achar o buraco do fone e cuidei do biscoito que elas compraram na Liberdade, enquanto elas foram tirar foto em algum lugar do avião. Me agradeceram com uma educação impecável.
Agora elas encontraram as saídas de emergência e discutem sobre o assunto em uma normalidade de fazer inveja. O capitão informa que o tempo está ruim. Fala do setor noroeste e sul. Uma tem um terço em formato de pulseira.
Sinto-me bem pois agora sei que estou ao lado de pessoas bem instruídas em caso de emergência, e começo a desconfiar que se houver uma turbulência e eu apavorar, elas irão pegar na minha mão e dizer com um sorriso no rosto:
– Relaxa, tem escorrega!
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Status update: São 8:30 hrs e minhas vizinhas mirins abriram um saco de Lays. Junto com o manual de emergência na cadeira da frente descansa uma barra de Lindt.
Acho que preciso espantar meu sono e expandir meu leque de amizades.
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– Que horas são?
– São 07:58 hrs.
– Obrigada.
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– Desculpa, que horas são de novo?
– São 8:48 hrs. Respondi para minha vizinha mirim.
– Não se preocupa, o sol já está saindo, já já a gente decola.
– É, né? Respondi meio desanimada.
– Nath, já que você está no corredor, leva chocolate para minha mãe, para o tio fulano, para o beltrano e para a sua mãe, toma aqui (ela entrega vários quadradinhos de Lindt para a amiguinha).
O piloto já está de papo com os passageiros da frente e metade do avião dorme como se estivéssemos em um acampamento.
Tem saída para USB para carregar o celular.
Eu já estou descalça e continuo a acompanhar o sono do motorista do tratorzinho que empurra o avião da Azul que também está tripulado ao nosso lado.
Não escutei nenhuma reclamação até agora e invejo veementemente o rapaz que está com três bancos só para ele e está usando apenas o espaço que foi pago, se eu estivesse no lugar dele já estaria em posição fetal deitadona como se fosse uma viagem atravessando o oceano.
Opa, tivemos uma baixa. Um senhor pegou suas malas e sorrindo desejou boa viagem a todos nós, ele acabou de partir.
Para o Rio, a pé.
Desculpa meninas!
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Às 9:30 hrs o piloto anuncia a opção de desembarcar e reembarcar quando a situação melhorar.
– Nossa, a situação está precária disse a minha sabia e juvenil vizinha.
Noventa por cento do avião desembarca, inclusive elas.
Eu vejo isso como uma oportunidade de esticar minhas pernas like a Queen. Vejo que o menino antes tímido e usando apenas seu espaço olha para mim, tira os sapatos, coloca um fone de ouvido e deita feliz.
Acho que todos aqui estamos felizes.
As crianças eram sábias, mas nós somos um pouco mais, afinal o aeroporto está fechado e se o nosso vôo, que era as sete da manhã, ainda não saiu imagina como está o saguão?
Pois é! Se São Pedro não dá uma força para Santos Dumont o que nos resta é esperar.
Like a G6, só que da Avianca mesmo!
(Tem um pedaço de Lindt abandonado ali, viram?)
(Tem um cara com crachá da Gol dentro da cabine dos pilotos no avião da Avianca.)
Como você se sente?
“Confusa, comfome, comfone e comsono.” – e sem nada para fazer.
Perdoem-me. Minha internet está funcionando e tem carregador aqui na aeronave.
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Confissão pós reler o texto para coloca-lo neste site: Neste dia, depois de horas de espera e somente água distribuída para a sobrevivência eu preciso confessar…
Eu comi aquele quadrado de chocolate da foto que não me pertencia.
E quando chamaram para o embarque novamente, minhas amigas sábias de noves anos retornaram. Suei frio e tive certeza absoluta que iria para o inferno.
Elas, finas, ladys, educadérrimas, se repararam o furto foram discretíssimas.