Seu Ismael é aquele velhinho boa praça lá da turma do Bairro Peixoto, carioca do estado da Guanabara e botafoguense doente.
Todos os dias pela manhã faz sua caminhada junto com as galinhas, é casado há cinquenta e três anos e pai de três filhos.
Seus oitenta anos não são facilmente descobertos, mesmo com os cabelos brancos, toma sua cervejinha no boteco da Constante Ramos religiosamente às quintas-feiras como todo garoto carioca.
Resolveu entrar na academia da moda para ocupar seu tempo livre de aposentado, com os filhos já criados e o apartamento já quitado, achou que seria uma boa ideia ver gente jovem reunida.
Dia desses, Seu Ismael contava a quem quisesse ouvir entre uma remada supinada e outra:
Acordara aliviado no dia anterior, sua esposa havia pertubado sua cabeça durante uma semana com os preparativos para a viagem à Caldas Novas com suas amigas. Enfim estava só.
Abdicou de sua caminhada diária, sequer escovou os dentes quando acordou, era um homem livre.
Ficou de pijamas o dia inteiro, escutava o telefone tocar, mas aquele era seu day off. Até o diabo do interfone insistia em berrar a todo momento. Carregar celular? Hoje não.
– Daqui não saio, daqui ninguém me tira, pensava ele prostrado em sua poltrona abrindo uma latinha de cerveja.
Sua paz durou até o início do segundo tempo de um jogo qualquer, quando escutou um barulho muito forte vindo da porta e de repente seus três filhos, o porteiro e a vizinha do 702 estavam dentro do seu apartamento com sua porta arrombada.
– Mas o que é isso? Não se pode mais ter um dia em paz nesta vida?
– Papai, com oitenta anos perde-se a liberdade de sumir do planeta. Diz o filho em um mix de alívio e de vontade de realmente matar o pai.
– Ah, mamãe cancelou o pacote e já está em um avião voltando para casa.
E enquanto ele começa a folhear uma “Páginas Amarelas” empoeirada em busca de um chaveiro, desabafa:
– Bem que me falavam que sentiria falta da minha juventude, agora entendi o porque.