Com 18 anos minha vida não era exatamente o padrão de vida de uma menina que completaria 18 anos e conquistaria a maioridade ganhando um carro com laçarote vermelho na garagem dos pais.
Meus 18 anos brotaram um cadinho diferente, meio de pernas para o ar mas nem por isso (ops, mas justamente por isso) indiferente.
Aos 18 anos fiz um pedido: Queria ir a um Bingo! Sim! Queria entrar naquele antro de velhinhas e marcar os meus próprios patinhos na Lagoa.
O namorado da madrinha fez as vezes de fada (madrinha), realizou meu desejo e lá fomos nós ao finado Bingo Arpoador.
Confesso que devo ter me enganado no sentido da magia do jogo, naquela fase tudo estava meio confuso e acho que troquei as bolas, literalmente. Eu deveria ter confundido Arpoador com Las Vegas mas foi lá mesmo na Rua Francisco Otaviano que iniciei minha vida adulta, seguido de um chopp oficial no Bar Lagoa (nossa, eu estava fazendo 18 ou 81? Rss)
Aos 19 resolvi quebrar meu porquinho e fazer uma auto escola, algo como trezentos e cinquenta reais me dariam a oportunidade de pelo menos ter uma habilitação. Bom, faz tempo né? Mas tomei bomba, na baliza.
– Ah deixa para lá.
Aos 23 tentei de novo, lembro que o valor havia mais que dobrado e precisei fazer tudo novamente, desde aula teórica, pratica, tudo. Na emoção do momento, bombei na porrcaria da baliza de novo.
– Mas que saco não consigo nem dar uma voltinha no Fundão!
– Ah… desisto. Preciso de carro não. Moro na Zona Sul, minha vida é na Zona Sul e moro no meio do caminho de todo mundo, tudo bem que meu RG tá meio destruído mas paciência.
E assim vivi até os meus 30 anos quando me vi indo morar em São Paulo, a vinte quilômetros de distância do lugar que paga minhas contas.
Corri para auto escola de novo e quase cai para trás com o valor para recomeçar, se eu não trabalhasse no mercado financeiro, nessa hora entenderia o real significado de vários fatores de conjuntura econômica.
– Mil e quinhentos reais a vista, mais o Duda. Parcelando, sai a mil e oitocentos.
– Moça, eu não quero comprar a carteira não, quero fazer o processo normal.
– Isso mesmo! Mil e quinhentos reais.
– Mas eu paguei trezentos err… há doze anos.
Abafa o caso.
Será que tenho alguma vantagem competitiva se eu contar que já passei no psicotécnico três vezes? Isso traz algum valor agregado ao livro da minha vida? Não né?
Como já sabia dirigir depois de 40 aulas praticas ao longo das minhas tentativas anteriores e de passar minha vida inteira vendo os outros dirigindo, meu instrutor na primeira aula me colocou para passar a quinta marcha no Aterro do Flamengo.
– Garota, vou te ensinar a dirigir de verdade. A vida é assim e ultrapassa aquela porra de carro de auto escola ali na frente que não admito ficar atrás de aprendiz. (Curiosamente o carro que dirigia continha palavras que eu achava significar Auto-Escola)
O cara era muito louco e me ensinou inclusive a dar peitada nos motoristas de ônibus.
– Xinga Nicole, xinga mesmo esses caras são uns abusados!
– Toquinho na buzina Nicole? Mete a mão nessa p*rra e buzina que nem macho! Você acha que vai chamar atenção de quem com essa buzinadinha chinfrim de um toque de meio segundo? Solta a mão nessa p*rra!
– P*rra Nicole, isso que dá querer tirar carteira depois de velha, nem dirige mas já fica chacoalhando o câmbio, toda viciadinha já, fica esperta os caras são f*das, você já sabe como é, vai perder ponto a toa menina.
Eu corria contra o tempo e precisava finalizar tudo ate o dia 7 de março, dia 8 já me tornaria cidadã paulista.
Na minha ultima aula prática, descobri que meu Golzinho amado e já todo desvendado por Nikita havia sido meio destruído por assaltantes em fuga, e que teria apenas aquela aula para me acostumar com outro carro reserva.
Quando fui agendar minha prova, descobri que meu instrutor, faca na caveira, havia sido mandado embora, que eu não poderia fazer mais nenhuma aula extra por causa do feriado do Carnaval – já estava parada há umas duas semanas – e que minha prova seria na quinta-feira pós Carnaval as 8 da manhã.
Pluft, na hora pulou um balãozinho com meu ex instrutor falando: Menina, fiscal no Rio quando tem feriado você sabe né? Reprovação em massa.
Achei de bom tom não arriscar. E lá fui eu para São Paulo com meu RG destruído catar uma nova auto-escola, era matar a prova ou morrer o carro, literalmente.
A prova, diziam, era tranquila, desde que você mantivesse a calma (HAHAHA! Seria facinho manter a calma vendo de novo um bando de pentelho sendo aprovado e suas pernas convulsionando, mas vamos lá). Precisei também desembolsar mais uns quatrocentos e cinquenta reais para fins de transferencia de Renach e descobri que por aqui a ladeira fazia parte da matéria.
– F-@-d-e-u Silvana (minha nova instrutora fofa e calma), sabe há quanto tempo não faço uma ladeira? Onze anos, tá bom pra você?
– Nicole calma, é simples. Freio de mão, acelera um pouco, embreagem, deixa o carro dar aquela levantada, acelera mais, tira o freio e vai.
Passei três aulas inteiras nesse em cima, embaixo, puxa e vai. Todo elogio era seguido de um carro morto. Descobri que meu egocentrismo me cegava, me emburrecia e me deixava estrelinha, logo o carro já tratava de baixar a minha bola.
No dia da prova, pânico na floresta, Silvana me enfiou no carro e o moço lá da frente mandou eu colocar o carro mais a frente, mas para isso precisaria fazer manobra com ré, ultrapassagem e alguns movimentos off matéria da prova.
Perguntei a Silvana se era tranquilo eu obedecer o moço e lá fui eu super manobrar o carro e me deixar na pole position. Setas, cinto, retrovisor, tudo nos conformes. Ao terminar minha manobra um fiscal da prova gritou:
– Ae!!! Já passou!!! Precisa nem fazer a prova depois dessa manobra perfeita!!!
Silvana riu e falou: viu?
– SILVANA!!!!!!!!!!!! Elogio Silvana, elogio!!! Não pode!!!!
Ela havia me passado o be-a-bá da prova, bem caxiamente. E eu havia decorado com o esmero de uma estudante da quarta série, o problema é que o fiscal não tava muito aí para isso e eu me peguei corrigindo o moço. E ele só falava: segue minha filha, segue.
Na hora da ladeira, quis parar no ponto mais íngreme, afinal não era lá?
– Segue minha filha.
– Mas eu preciso fazer a saída da ladeira.
– Filha, segue! Já disse ,quase impaciente com meu pé na letra.
– Esse cara quer me ferrar, pensei.
Tanto fiz questão da ladeira que um carro off-prova parou no meio e eu involuntariamente precisei fazer e com a capacidade divina saí lindamente com direito a dancinha ao volante.
Mas como falei, comemorar pode dar merda.
Acabei errando o caminho da baliza, caminho esse que desconhecia, mas o santo fiscal fez que não havia problema, se despediu e deu lugar ao moço mau da prova.
O novo fiscal ignorou minha pessoa e quiçá me deu bom dia, ele era do setor da famigerada baliza.
Nessa hora a perna esquerda entrou em convulsão e não satisfeita a da direita quis fazer cia. Engatei a matraca giratória e comecei a fazer a baliza. Minha rotação de palavras estava batendo recordes históricos e o fiscal quiçá esboçava qualquer reação. Eu estava invisível! Mas a mulher invisível de repente percebeu que errou a entrada da baliza.
– Não!!! Merd@!!!! Tá errado! Onde eu errei? Moço, tá errado né? Lógico que tá errado, nunca vi esse ângulo! Não moço!!! Não posso perder na baliza de novo!!! Senhor, terceira vez eu não aguento!!!!
E ele continuava imóvel e intacto.
– Moço, tá errado. Mas é que eu tô nervosa, olha moço, olha as minhas duas pernas! Como que o carro não morreu? Onde eu erreiiiii? Olha moço, eu nem sei se pode sabe, mas eu vou tirar esse carro daqui e começar do zero viu? Eu errei e já que você continua mudo vou descobrir sozinha o que eu fish (sh bem carioca). Eu não tenho mais idade para reprovação não. E minha auto estima? Como faz? Moço, eu já te disse que tenho 30 anos?
Enquanto continuava a falar como uma metralhadora iraquiana, ele ameaçou abrir a caneta e anotar algo no meu boletim vazio, enquanto ele ameaçava tal atitude, tirei o carro, manobrei na raça, esqueci o protocolo, enfiei o carro na vaga, olhei pra ele e disse:
– Eu pulei a segunda etapa da manobra, foi isso. Mas oh, tá corrigido e estacionado (isso ele olha para fora do carro para ver distancia e alinhamento). E eu sei que poderia ficar melhor, mas com essas pernas independentes e psicóticas foi o melhor que eu pude fazer vai! Estacionado está! E eu acho uma maluquice isso de prova. Não tá na apostila que você não pode dirigir sob efeito de tensão e emocionalmente alterado? Eu estou completamente emocionalmente alterada! Todos aqui estão.
– Desliga o carro.
– Oi?
– Desliga o carro.
E ele foi embora sem nem me dar adeus.
Silvana aporta dentro do carro e como uma amiga de anos me pede:
– Quero que você me conte tudinho que aconteceu!!! Todos os detalhes. E para de tremer, mulher!
– Jura ? Tremer? Nem percebi, disse meio fora de órbita. Tomei bomba de novo, né? Pota que me p@riu.
– Não Nicole, não sabemos. O resultado sai em uma semana.
– COMO É QUE É???
Durante essa semana só fiz comer, comer, comer. Comia para afogar as mágoas, comia para conter a ansiedade, comia porque a consulta com a nutricionista era no fim do mês.
Hoje precisei tirar coragem do fundo da alma e liguei para auto-escola do trabalho. Falando baixo solicitei o resultado, escuto ao fundo: A menina do Rio? Xiruxjqusbie. Passou? Xiruxixu.
Ai caçamba, até os segundos de teste de gravidez devem ser mais rápidos.
– Parabéns, Nicole. Você foi aprovada.
Assim que desliguei dei rewind na mente e tive a impressão que ouvira errado. Depois de uns cinco minutos realizei que era verdade, queria fazer uma dancinha no meio do escritório, mas não dava.
Na hora de ir embora comentei com uma menina na baia ao lado, “olha preciso dividir uma coisa”, fui embora sorridente, se pudesse daria aquelas duas batidinha nos pés enquanto dava um pulo no ar mas isso não seria postura de uma gerente, ofício conquistado com trinta anos.
Trinta anos, com corpinho de dezoito, alias, “carta” de dezoito.
Não não, trinta com corpinho de dezoito também, afinal a habilitação chega com a nova dieta. Há!
Onde vende aquele adesivo de “Learner” mesmo? Preciso colar no carro, por cima do plástico bolha que o namorado disse que vai colocar no carro, não em mim!
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Logo depois que postei esse texto, começou uma queima de fogos absurda que cobria Barueri e Santana do Parnaíba, com direito a drone voando e tudo, não era a praia de Copacabana mas foi quase isso. Então resolvi agradecer a todos que contribuíram para a vaquinha, porque pela quantidade e pelo raio que a queima de fogos atingiu deve ter custado bem caro! Obrigada gente! Afinal de contas hoje é um dia histórico, rs!