Sabe lá Deus por que cargas d’Água errei o número do meu assento.
Juro que não sei como isso aconteceu, porque desde sempre faço o mesmo ritual ao embarcar em um avião.
A partir do momento em que o cara me devolve minha identidade e meu ticket, eu já os coloco no bolso ou na bolsa. Dou umas três verificadas antes desse movimento final, e a partir de então fico entoando um mantra que contém um número e uma letra, até encontrar minha poltrona flutuante (tá aí uma utilidade que você nunca na vida gostaria de testar, nem eu).
Hoje não foi diferente. Tudo bem que o time inteiro do Flamengo presente e todos os executivos pedindo selfies ao mesmo tempo que a fila andava, pode ter tirado um pouco minha concentração.
Não por entender de futebol e querer fazer o mesmo, mas justamente pelo contrário. Porque eu não fazia a mínima ideia de quem eram aqueles (lote de) caras com blusa do Flamengo e comecei a viajar na tietagem do alto clero dos engravatados. Nem quando eu vi o Rodrigo Hilbert no mesmo vôo que eu, causei tanto alvoroço. E gente, era o Rodrigo Hilbert!
Enfim. Vim entoando meu mantra e reparando na tietagem alheia.
Os executivos regrediam mentalmente e faziam brincadeirinhas infantis, dizendo nome de times adversários e dando risadinhas. Um bando de bobões, mas estava divertido testemunhar isso.
Quando vi meu assento, pensei: Droga, é na saída de emergência. Não tenho maturidade para abrir uma porta em caso de err, emergência.
Não Nicole, maturidade você pode não ter, mas não é para salvar só a sua vida e sim literalmente da torcida do Flamengo quase inteira e do time também, olha a responsa! Então tire forças da onde Deus duvida, mas só em caso de emergência, tá?
Um senhor já tinha sentado na poltrona do corredor e lia o jornal quando precisei adentrar o trio de poltronas. Como era na saída de emergência, o espaço era maior então consegui entrar com ele sentado. Não que não seja constrangedor essa ultrapassagem, mesmo para quem não tem bunda, como é no meu caso.
Sentei. Olhei. Pensei.
E lá passei pelo senhor de novo, dessa vez virada ao contrário.
– É que é saída de emergência, não posso deixar a bolsa embaixo do assento da frente.
E procurei o comissário de bordo para concordar com o que eu falava.
– Tudo bem, minha filha.
E lá voltei para meu assento.
Alguns minutos depois, um cara lá pelos seus quarenta – muito bem vividos – anos me interrompe:
– Da licença, seu assento é o 15F?
– É sim. Não. Pera. Calma. Deixa eu verificar.
Nesse momento eu entrei em curto. Tenho uma péssima mania de entrar em curto quando preciso falar com pessoas muito bonitas. Dá erro, fico meio bobona, sabe?
E não me venham com falso moralismo não. Namoro, amo meu namorado, mas existem homens e mulheres muito bonitos(as) por aí e faz parte do instinto humano identificar tais pessoas providas de tamanha beleza.
Continuemos.
Toda sem graça, quase falando lé-com-cré, puxei meu bilhete e li: 14F
– Ai, desculpa! Você está certo! Eu que estou no lugar errado. Vamos trocar.
– Não, não, pode ficar aí, disse o Richard Gere, 40, dos trópicos.
Nisso, o senhorzinho do corredor já me olhava e pensava, olha lá a mulher causando de novo…
– Não, não. Aqui o espaço é maior. Por favor.
– Não, não. Pode ficar.
E assim resolvi aceitar, muito sem graça, pois já sentia uma impaciência do vizinho do corredor assistindo tanto não pra lá e pra cá.
Sentada, pensei: Putz! O cara deve estar me achando super folgada, disse que o espaço era maior e por isso escolhi erroneamente? Não foi isso que eu quis dizer. Cara, eu sou muito burra. Vou falar com ele na saída.
– Poxa, obrigada. Ainda bem que não precisei abrir a saída de emergência, hein? Senão ia dar zica.
Não, Nicole. Óbvio que você não vai falar isso, ele vai te achar mongol ou que você está dando mole. Você e sua mania de ficar se explicando, cara!
Então, mentalizei: Que duas mulheres muito gatas sentem ao lado dele, é o mínimo que desejo. E duas loiras, bonitas, sentaram.
Já voando, mais vergonha. A poltrona do cara não reclinava justamente para que eu, em caso de emergência, pudesse salvar uma parte da torcida do Flamengo, e do time todo.
Nesse momento, tive a certeza que eu era muito folgada, mesmo sem querer. E em um ato de respeito, cumplicidade, parceria e lealdade, passei a viagem inteira sem reclinar minha poltrona.
O cara nunca vai saber disso, até por que prometi não abrir a boca para tentar justificar minha dislexia numérica e falar mais besteira.
Na hora do lanche, a aeromoça se abobou a beça também ao servir o Richard dos trópicos, as loiras ao lado dele riram, a aeromoça também.
Respirei aliviada e entendi que cada um tem o abobamento que mais lhe satisfaz.
A torcida do Flamengo, ou a mulherada boba por Richard.
Missão cumprida. O avião não caiu, eu não precisei abrir a porta de emergência e todos estão aptos para continuarem se abobando por aí.
Yey!
Sempre muito gozado e tirando sarro das situações mais banais.keep going girl!
<3