Moro em um bairro novo, literalmente em construção.
Na minha rua apenas meu condomínio possui vida full time, na rua da frente uma torre frondosa já pronta mas só consegui contar até hoje um apartamento iluminado, deve ser do administrador, se o prédio fosse em uma montanha proibiria o uso de triciclos nos corredores, esse prédio é literalmente muito iluminado para meu gosto.
No terreno ao lado um início de construção e mais a frente um novo prédio cresce, creio que ele deve ser construído pela equipe que refez uma estrada em uma semana no Japão depois de uma grande tragédia, de tão rápido que ele toma forma.
Atrás um ginásio esportivo, parece que acontecem jogos incríveis de volei por ali.
Venho do Rio, cidade de gente, de andar a pé, de Copacabana.
E hoje moro em uma Barra da Tijuca de muitos anos atrás, correndo para o futuro.
Mal sei o rosto do porteiro, porque ele fica enclausurado em uma portaria muito diferente dos padrões cariocas, ele te vê pelos vidros mas você não o vê de jeito algum. Sua porta está sempre trancada.
Sim, aqui tudo é muito reservado.
De segunda a sexta caso meu despertador falhe o alarme da obra me acorda, eu poderia morar ao lado de um colégio que seria o mesmo, com a vantagem que os mocinhos não correm e gritam na hora do recreio, no mínimo devem reclamar da falta de pessoas – quiçá mulheres passando em frente da obra para que eles possam usar suas cantadas infalíveis.
Mas se no deserto surge uma plantinha no meio do nada porque não surgiria por aqui?
Sábado a noite, buzina buzina buzina.
– Ai meu Deus não se tem paz nesse lugar!!
E quando vou para a varanda percebo que está terminando um passeio de bike com milhares delas. Milhares de mini-faróis e buzinas de Copa do Mundo.
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É domingo e estou no meu 14o sono dormindo pesado até que sou interrompida por fogos.
– Fogos? Penso eu sonolenta.
E eles continuam.
– Era só o que me faltava, um galpão clandestino de fogos aqui ao lado?
– Não!! Caraca! Será que tem um prédio desabando? E corro para a janela. O barulho estava longo demais e a possibilidade do galpão clandestino já havia ido para o lixo assim que consegui enxergar o mundo com meus olhos semi abertos.
Era a largada de uma corrida de 15 km, com muitas pessoas etiquetadas em suas blusas, com direito a corredores embolados em bandeira do Brasil.
A priori voltei pra cama puta da vida, zoeira da porra e na minha tentativa de continuar dormindo percebi que a todo momento me deparo com uma referência carioca, uma forma de me enquadrar dentro de uma nova vida mas tendo as amarras da minha velha vida.
Foi o tempo de voltar para a janela para dar uma olhada em tanta gente em um lugar com tanto concreto aguardando por um futuro.
E nessa hora pude testemunhar a chegada do primeiro lugar à linha de chegada antes mesmo das nove da manhã. Uma multidão se aglomerou com aplausos e gritos de estímulo e por um momento me senti sorrindo na orla de Copacabana acompanhando o andamento das maratonas que lá passam.
E quem disse que não existe vida por aqui?
É só uma questão de ver o copo meio vazio ou meio cheio.