No interior a porta está sempre aberta, ou o povo vai entrando sem avisar, ou bate palma. A campainha só é usada quando alguém vai pedir um chocolatinho – nessas épocas de festejos é comum uma romaria de porta em porta colhendo donativos monetários disfarçados de pedidos de ovos de Páscoa solicitados por adultos barbados e de chapéu de roça.
De hora em hora aparece visita, aqui o “passa lá em casa” funciona sem ao menos ter sido profanado.
É a hora de rever gente querida, pedir benção para os mais velhos, de dar abraços apertados.
Chico, o Limonada, aparece umas três vezes por dia sempre nos deliciando com suas histórias fantásticas. Na primeira visita do feriado, quando me viu abriu um sorriso enorme e disse:
– Minha filha!! São Paulo está te fazendo tão bem!!!
Sorri e ele continuou:
– Lá tem restaurantes ótimos né? Tá até mais encorpadinha!!
Errr…
São nos grandes feriados que a moçada volta para passar os dias junto com a família e reencontrar os amigos de infância.
O único problema de reencontrar os amigos de infância é que a vida adulta é chata, rotineira e cheia de obrigações e reencontra-los no boteco sem combinar significa dar uma de JK e fazer 50 anos em 5, ou neste caso, festejar a vida inteira em uma única noite. Haja “Deita Cabelo” no Carijó para turbinar essa moçada e é lá no Carijó que começam as lendas urbanas!
– Eu bebo doze Deitas e não caio!
Em tempo: Deita Cabelo em Monte Santo é como a caipirinha no Brasil – um ícone – uma referência etílica Monte Santense feita carinhosamente pelo Carijó, o dono do bar. Contém 90% de vodka e os outros 10% de Tanjal, Coco ou o que você preferir. O copo é dos grandes, o preço mais que justo e o porre garantido.
Bom, de repente é a mesma máxima de nós cariocas que desde pequenos tomamos mate de galão e por isso adquirimos anti corpos e nunca passamos mal. O mesmo deve acontecer para o povo que cresceu em Monte Santo, mas na metade do primeiro Deita de Tanjal eu já estava chegando em Bagdá, e doze Deitas para mim significariam um caminho sem volta, mas um segundo significaria apenas Nikita um pouco mais alcoolizada e acompanhar essa turma né fácil não, então…
– Carijó, mais um Deita mas dessa vez de Coco por favor!
Aqui os dias são mais longos, a Claro não pega e misturo momentos de Detox com um pouco de abstinência do meu 3G amado, a soneca no sofá depois do almoço tem muito mais valor do que um day spa em um hotel chique e caro. As molas do sofá foram amaciadas com sonecas de muitos ao longo dos anos. Aqui até o cabelo fica mais bonito, já falaram que é porque o ar é puro, puro preconceito para com a capital.
Para passar o tempo vamos na sorveteria da praça comer uma bola com calda por um real e cinquenta centavos e ver a vida passar.
– Chico, não é só São Paulo que me encorpa não!
O senhorzinho que revende os picolés passa na sorveteria no final do dia para acertar as contas das vendas, ontem só tinham sobrado três.
Ele recebe seu pagamento em dinheiro com bônus, uma bola de sorvete e segue seu rumo feliz depois de completado seu dia de trabalho.
Os cachorros são “tudo” pata curta, reza a lenda que havia um basset garanhão que passou o rodo nas cadelas da cidade, por isso todo cão Monte Santense tem pata curta. Queria ter conhecido esse José Mayer canino, o cara era um cachorro!
Bom, se eu fico a toa por aqui imagina os cães!
– Aquilo é um cachorro atropelado no meio da rua?
Negativo, eles são tão a toas, tão a toas, que você precisa desvia-los do meio da rua porque eles estão tirando uma soneca e você que vire seu carro para o canto de lá. A preferência da via é deles, sempre.
Aqui existe caminho literalmente da roça, que parece um pedacinho do céu, mas que fica na terra.
Aqui a vida é simples, tão simples que chega a ser simplesmente boa e por isso vou largar esse wi-fi que arranjei na casa da Fer, porque aqui wi só se for uai, sô. Então deixemos a modernidade para quando voltarmos a programação normal, porque tem uma caRne assando e risadas me esperando nesse pedacin de paraíso chamado interioR.
– Queira me desculpar mas o número chamado encontra-se desligado ou fora da área de cobertura –