Eu tive uma infância privilegiada, essa é uma das grandes riquezas em minha vida.
Cresci com joelhos constantemente ralados, caçava morcegos, catava girinos, plantava feijão em algodão.
Tive minha gangue de patins, jogava bets na rua e já fiz da pracinha ao lado da minha casa meu esconderijo quando no auge dos meus sete anos resolvi fugir de casa.
Já apostei corrida de bicicleta na chuva e acabei sendo entregue em casa toda ralada dos pés a cabeça depois de capotar ao perder o controle de minha magrela.
Mas nada foi tão radical quanto o dia em que fui atropelada.
Sim. Capotagens, fugas de casa e um atropelamento! No auge dos meus 11 anos já tinha uma bagagem incrível de experiências de vida no currículo!
O atropelamento ocorreu em meio a aula de história na minha quinta série.
E a aula no calçadão da praia embaixo de uma amendoeira em um dia lindo de sol. (Sim, eu tinha aula na praia!)
Brisa no rosto, Dom Pedro para lá, Princesa Isabel para cá e de repente PLOFT! PLOFT!
Dor, muita dor!
Sabia que havia sido atingida! Minhas costas latejavam!
Uma mamangava havia me atropelado e agora também padecia zonza no chão sem entender o que havia acontecido.
Certamente passeava tranquilamente fazendo seu vôo matinal cantarolando alguma música de Chico distraída.
Não percebeu a presença de uma turma inteira de escola absorvendo conhecimento histórico e se jogou de corpo e alma nas costas de uma das pequenas aprendizes – eu.
E assim aos meus 11 anos sofri um engavetamento de uma mamangava em pleno paraíso.
Deixei Dom Pedro e Princesa Isabel de lado e fui me recuperar no melhor hospital do mundo.
A casa da minha avó Carmelita!
Quem dera que todos os dramas de nossas vidas fossem iguais aos dramas de nossa infância e que todo porto-seguro fosse para sempre a casa de nossos avós tão amados.