Doce, doce, doce, a vida é um doce, vida é mel.
Qual criança nascida lá pelos anos 80 nunca cantou essa música?
Com certeza todas.
Certamente elas não tinham a consciência de que a vida nem sempre seria tão doce quanto o mel – mas que delícia seriam nossas vidas com a ingenuidade de nossa infância, não é?
Mas como o tempo não pára, as crianças de ontem são os adultos de hoje – muitas vezes se esquecendo que a vida sim pode ser doce.
Lá no passado, trabalhei em um prédio comercial em Ipanema onde a quantidade de consultórios médicos me fazia trombar com adultos de mochiletes cheios de remédios para vender de porta em porta.
“Avon Chama” repaginados em forma de Pfizer e outros laboratórios.
Como não era o caso da minha empresa, recebíamos uma outra visita semanal muito mais agradável.
A idade me falha a memória de seu nome – acho que se chamava Marcos – mas duas vezes na semana um rapaz magro bem alto e de bigode beirando no máximo trinta anos batia em nosso escritório – sempre na hora do almoço.
Muito sorridente trazia sempre três caixas lembrando as caixas de pizza, mas em um formato retangular.
Ignorá-lo seria a atitude mais correta a se fazer mas ignorar um vendedor de porta em porta desses era uma missão em 97% das vezes impossível.
Nosso visitante de bigode sempre nos trazia todos os docinhos de festas infantis que sempre amamos em tamanho de adulto compulsivo com alma de criança.
Cajuzinhos incríveis! Casadinhos que brilhavam cobertos de açúcar cristalizados, e seus brigadeiros… eram de fazer chorar de emoção cada granulado ingerido.
Antes da sobremesa ainda contávamos com uma quantidade infinita de empadas de todos os sabores – sua especialidade eram as de camarão!
Depois de algumas visitas me dei ao direito de perguntar um pouco mais, queria descobrir da onde vinham aquelas maravilhas em formato de calorias loucas para grudar em meu corpinho para tão logo me assemelhar as pinturas de Botticelli.
– Esses doces são feitos lá em Mesquita.
Pausa.
Pára tudo. Coloca o Google Maps mental para rodar e pensa um pouquinho… Mesquita é um município do Rio emancipado de Nova Iguaçu (Uhuu Nova Igua… ok ok sem me exaltar)
– Mesquita? Mas meu Deus! Como você chega até aqui?
– Ah, pego um ônibus, depois um trem até a Central e aí pego um ônibus de novo! (Sorrindo)
Pausa da autora: Vocês já viram como saem os ônibus da Central para a Zona Sul de manhã?
– Mas você faz esse caminho todo (Mesquita – Ipanema são 45 km de CARRO segundo o Google Maps) para vender 3 caixas de doces e salgados?
Ele achando engraçado meu espanto de menininha da Zona Sul me retifica:
– Não! Trago mais! O porteiro lá de baixo faz a gentileza de esconder na portaria aí sempre dou um doce pra ele, né? Mas tenho sempre que tomar cuidado para o síndico não estar por perto, por que senão dá problema para o colega.
Deixa ver se eu entendi… o cara me sai lá de longe, me pega dois ônibus e um trem no “Sardinha’s style” equilibrando seis caixas de pizzas todos os dias e vem vender algumas poucas dezenas de docinhos a R$2,50 batendo de porta em porta de cada prédio comercial em Ipanema?
Sempre sorrindo?
Hm…
Próxima cena: Dias de hoje
Hoje fui fazer as unhas em um prédio comercial – desta vez no bairro do Leblon.
Tal qual não foi a minha surpresa ao ver um outro mocinho – não tão mais moço assim mas tão sorridente quanto – adentrando o salão com um sorriso de quem tem a vida mais doce do planeta.
– “Vai um brigadeiro?” perguntou ele.
Fiquei pensando em quantas vezes tocou o telefone em minha mesa com a recepcionista avisando “Doces e salgados, vai hoje?” e eu respondendo em um mau humor homérico de quem morava no bairro ao lado e estava a manhã toda sentada com o fresquinho do ar condicionado trabalhando em frente a um computador.
Pois é… São pessoas como essas que me fazem ter certeza que não é a vida que é um doce, e sim as pessoas que fazem dessa vida mais doce, metaforicamente ou não.
Ou os dois juntos!
Que esses doces mocinhos continuem trabalhando de forma honesta, trazendo alegrias, calorias e quem sabe um pouco de reflexão para nós que temos uma vida que muitas vezes julgamos difícil sem ter noção do que realmente significa isso.
E aí concluímos que o açúcar da vida quem coloca ou tira somos nós mesmos!
Como somos tolinhos…