Dona Vera trabalha aqui em casa como diarista, senhora de bem, mora há 80 km daqui e chega sempre pontualmente às 8:30 da manhã toda semana.
Chega sempre sorrindo.
(Faça as contas de que horas ela acorda.)
Virou crente fervorosa quando um dos seus filhos se livrou do vício do crack – era o mínimo que poderia fazer depois de tal milagre – e como toda religiosa tem sua posição bem formada sobre n assuntos.
Nos divertimos com nossas diferenças “religiosas” e aprendemos bastante uma com a outra.
Sim, já mandei ela para o inferno de brincadeira e caímos na gargalhada quando realizamos que uma força de expressão para mim era bem diferente pra ela.
Conversando com ela, contei que Chico andava estranhando vizinhos novos. Um simpático casal gay.
Contei que não via a hora do Chico parar de latir para eles porque sempre fico para morrer quando isso acontece.
Provavelmente, Chico dono do pedaço, está só estranhando os novos cheiros. Mas foi a deixa para Dona Vera perguntar se eu tinha preconceito.
Rapidamente respondi que lógico que não e que esperava que Francisco também não o tivesse, afinal eu era (sou) a favor do amor e ponto final.
Certo silêncio.
Então Dona Vera me contou que hoje de manhã fazia muito frio e chovia. Uma pessoa que ela não sabia definir se era homem ou mulher pediu uma informação no ponto de ônibus em que estavam.
Pegaram o mesmo ônibus, e Dona Vera reparou que a pessoa vestia um short e uma blusa muito decotada nas costas, e que tremia de frio.
A pessoa – segundo ela – parecia estar sendo má influenciada, perdida, mas estava completamente na dela.
Dona Vera então ofereceu, sem ela pedir, seu casaco que usa para trabalhar.
A pessoa ficou surpresa e bastante feliz com o gesto e aceitou o casaco que nem havia pedido mas que tanto precisava.
Dona Vera dizia não saber se era um travesti, homem, mulher ou o que fosse, mas que acima de tudo aquela pessoa era um ser humano com frio.
E sabendo que poderia tirar o frio daquela pessoa, foi lá e fez.