A relação entre os brasileiros e os haitianos é bonita de se ver. Eles sãos fãs de nosso futebol, do nosso povo e ouso a dizer que Haiti e Brasil proporcionaram um dos mais belos amistosos: o Jogo da Paz em 2004. Nosso país também estava lá ajudando quando eles não tinham o que fazer naquele terremoto.
São pessoas sofridas, com histórico de guerra e destruição mas mesmo assim carregam um lindo sorriso no rosto.
Conversando em portunhol com o até então vendedor da loja, ele percebeu nossa nacionalidade e desandou a falar sobre futebol, Dunga, escalação, como eles sofreram no jogo da Alemanha e de política. Ele queria saber sobre as eleições, nossa opinião e perspectivas para o país.
Os domenicanos são simpáticos, mas os haitianos são loucos com o povo brasileiro.
Perguntei de onde ele era e bingo! Do Haiti.
Toda vez que conversávamos com um haitiano fazíamos questão de mostrar que gostávamos muito de seu povo e que éramos “amigos” e sempre ganhamos pelo menos um gostoso sorriso de volta.
Sergy trabalha como vendedor da charutaria em uma rotina cansativa. De manhã está na loja e a noite fica na porta de um bar vendendo cigarrilhas e charutos.
Mora na República Dominicana há aproximadamente seis anos, estuda engenharia civil – está no último ano! E costuma visitar sua família no Haiti de seis em seis meses.
Nos contou que iria ao Brasil em abril, durante sua semana de férias. Não sabia para onde ia, pois quem estava organizando eram alguns amigos, mas estava animado.
Perguntei com cuidado sobre o terremoto, afinal, não sabia quais consequências a tragédia poderia ter tido em sua vida.
Sergy morava na República Dominicana já e não tinha notícias de sua família, sem telefone, sem nada andou durante oito dias a pé cruzando a fronteira para conseguir chegar aonde sua família morava.
Não havia transporte, tudo estava destruído e somente grupos humanitários e do governo podiam circular por lá.
Graças a Deus ninguém da sua família havia morrido, apenas um parente havia se machucado e transferido para os EUA para tratamento, nada tão grave. Pelo que entendi em seu espanhol-frances apenas algumas fraturas. Logo depois, esse parente já havia retornado.
Foi aí que ele virou o monitor do computador e nos mostrou sua página no Facebook.
A foto de perfil era de uma menina bem pequenina.
Sergy nos contou que aquela era sua filha, não de sangue.
Ele a encontrou perto de sua casa, no meio de escombros de uma casa completamente destruída. A menina estava bem machucada e não havia ninguém com ela.
Sergy disse que nunca soube notícias de familiares da menina, provavelmente morreram na tragédia e por isso, resolveu adota-la.
Dava para ver o orgulho nos olhos dele mostrando a menina. Hoje, ela tem nove anos e para o orgulho do pai está, graças a Deus, na escola.
Eu e o Tomas estávamos nos sentindo muito pequenos ali.
Nós, de férias em um resort incrível, em um paraíso, comendo, bebendo, nos divertindo. No mesmo ambiente que Sergy estava – a trabalho com uma história tão bizarramente diferente.
Essa conversa foi um daqueles momentos em que ficamos em silêncio refletindo sobre a vida, e sobre como somos ingratos as vezes por reclamar de coisas tão pequenas.
Sergy havia nos dado um tapa de pelica em nossas caras com um sorriso branco branco branco, uma pele negra brilhosa e bem magra cheia de orgulho de tudo que havia acontecido em sua vida.
Não somos experts em espanhol então não conseguimos expressar completamente nossos pensamentos. Mas tentamos.
Tomas então teve a ideia de deixar todos os seus contatos para quando Sergy viesse ao Brasil. Salientou com firmeza que qualquer coisa que ele precisasse deveria entrar em contato conosco.
Era o mínimo que poderíamos fazer.
Ele ficou espantado e na mesma hora escreveu seu telefone e e-mail em um papel.
Quando fomos pagar as cigarrilhas que levaríamos de souvenir percebemos que não tínhamos dinheiro. Dissemos que voltaríamos outra hora então.
Sergy não sossegou enquanto não levamos a cigarrilha sem pagar, era para pagarmos depois.
Saímos sem graça, demos um aperto de mão e voltamos para a nossa programação de férias dos sonhos em silêncio. No máximo um: “Caramba” foi falado.
A noite corremos para pagar nossa dívida, perguntamos se ele lembrava da gente e ele respondeu que lógico e já abriu o bolso da carteira mostrando um papel super dobradinho com nossos contatos.
O Tom então disse que daria uma lembrança para ele. Tirou vinte reais da carteira, perguntou se ele tinha moeda brasileira. Disse que não. Então entregou a nota a ele dizendo para usá-la em um café no Brasil. Ele ficou olhando, com um sorriso no rosto. Disse algo que não compreendi. Falei para ele quanto que equivaleria em pesos dominicanos apenas para ele ter uma ideia, mas na hora ele disse que jamais trocaria aquele dinheiro. Aquele dinheiro iria trazer sorte para ele, disse enquanto guardava na carteira.
Nos demos as mãos novamente, nos despedimos e mais uma vez caminhamos em silêncio.
Agora Sergy, sorte tivemos nós de ter te conhecido!
Obrigada!