UM PIT-STOP ESPECIAL

Era uma noite fria de sexta-feira em São Paulo e a lentidão do trânsito na Marginal me fez optar por fazer uma hora na Vila Madalena com amigos.

Dentro do bar fui abordada por uma mulher que vendia bonitos brincos, sorri para ela já fazendo não com a cabeça, mal me dando tempo para avaliar se aquilo que vinha até a mim era interessante ou não.

Ela foi embora e eu pensei: Nossa eram bonitos, eu acho.

Mas passei adiante.

Minutos depois, escuto um rapaz abordando a mesa de trás. Ele vendia CDs de sua própria autoria e dizia animadamente os títulos de suas músicas que me remetiam aos Mamonas Assassinas. Levantei da mesa para ir ao banheiro apertada, mas aproveitando a deixa para não dizer mais um não. Esses vendedores de alguma forma mexem comigo.

Já de volta a minha mesa, o animado cantor já percorria outros cantos do interior do bar, para um grupo ele vendeu seu CD e fez questão de autografa-lo. As risadas eram mútuas e pensei comigo mesmo como era de se admirar pessoas que colocam a cara na rua e mesmo diante de tantas rejeições continuam na batalha.

Foi a hora que percebi um senhor, que poderia ser o meu ou o seu avô, muito lindinho com um livro na mão. O livro tinha o título “Adão e Eva” e algo mais que meu rápido “não obrigada“, acompanhado de um sorriso sem graça e culpado dera tempo de ler.

A menina a minha frente dera o mesmo não.

Enquanto ele recebia o segundo não de meu conhecimento, fui analisando aquele senhorzinho e em uma fração de segundos já estava tomada de certo remorso, foi o tempo dele chegar em outra mesa e ter uma recepção completamente diferente da oferecida por mim.

Uma menina interrompe seu papo empolgado com a amiga e dá atenção para aquele senhor, e eu de camarote entendo que aquele livro era de sua autoria.

Pronto. Quem eu acho que sou a ponto de quiçá dar abertura para alguém – um senhor! – simplesmente me contar que era autor de um livro.

Culpada, tentei surfar na onda alheia e escutar aquela história que educadamente passei adiante, com educação não permiti que um senhor me dissesse algo.

Pera aí, que educação seria essa Nicole?

A menina gentilmente agradeceu a oferta e percebi que eles trocaram votos de felicidade.

Engoli seco enquanto a menina que dera o segundo não, de costas agora para ele e de frente para mim, se agarrava também ao meu claro constrangimento enquanto eu não conseguia tirar o olho daquele senhor.

Lá foi ele com passos lentos mas em momento algum de forma pedinte ou inferior abordar um casal que sentava um ao lado do outro, em uma mesa de quatro pessoas com lotação de duas. Eram claramente um casal em inicio de relacionamento.

Levanto da mesa em direção ao banheiro novamente e digo apenas uma frase: Esse mundo é muito injusto.

Durante alguns minutos reflito sobre o senhor sozinho andando nos bares da vida vendendo seu próprio livro. Qual seria a história dele? Qual seria seu sofrimento? Merecia um senhor ser rejeitado por adultos egoístas que não querem ser incomodados enquanto gastam seus salários com bebidas? Respirei fundo e pensei comigo mesma: Nicole, pense que ele tem a oportunidade de ainda batalhar, ele poderia estar doente ou simplesmente acomodado com o que a vida lhe deu, ou tirou.

Voltei da câmara da descompressão, o banheiro, e percebi que – ufa- novamente a receptividade foi positiva “anulando” de certa forma a minha culpa do não e a da minha vizinha de mesa.

Percebo que o rapaz decide comprar o exemplar e o senhor com um belo de um sorriso abre a primeira página e faz uma dedicatória.

Inebriada por tanta Pepsi Light decido pedir a conta e seguir o meu rumo ao mesmo tempo que quero ir até aquele senhor e de certa forma refazer a cena arrependida.

A atitude tomada foi seguir em frente, para casa, e enquanto manobro o carro aquele mesmo senhor passa por mim descendo aquelas íngremes ladeiras da Vila. Em um rompante de frustração cogito em minha mente oferecer-lhe uma carona, mas pareceria maluquice.

Enquanto deslizo ladeira abaixo no calor do aquecedor do carro, acompanho o senhor que caminha no frio com um saquinho de papel com algo dentro para comer, tinha certeza que ele não estava indo para sua casa, e que sua casa também não seria logo ali na esquina.

Chego em casa e penso: Dê sempre ouvidos. A coisa mais difícil é você dar um oi para um estranho,se jogar no desconhecido. Quando isso acontecer, pare, seja gentil e escute.

Digo isso por hoje, e pelo que eu aprendi certa vez em um curso lindo que fiz na Arte de Viver.

Nele eu tive uma tarefa de distribuir panfletos e se eu achei naquele momento difícil lidar com muitas negações, mais difícil ainda foi distribuir abraços grátis, mas só quem já deu uma “de maluco” dessa sabe quão enriquecedor é dar o primeiro passo.

Não satisfeita após escrever esse texto enorme tive a genial ideia de procurar “Adão e Eva livro senhor” no Google.

Palavras muitos vagas, tentei de novo “Adão e Eva senhor Vila Madalena”.

Bingo!! Sabia que aquele senhor não seria nada nessa vida! Esse homem se chama José Francisco Vieira e segundo o texto que fui direcionada, “passa os dias engolindo os livros com os olhos para se desviar da esquizofrenia”. Tem mais de 80 anos, autor de “Adão e Eva voavam em Atlântida” e graças a alguém chamado Talyson Rodrigues hoje sei a história por trás daquele senhor que vendia livros.

Talyson me permita replicar o final de seu texto:

“As visões que o homem de cabelos brancos e sorriso largo teve, de um mundo que os outros homens desconhecem, são reais, pelo menos para ele. Lá, os habitantes viviam em uma sociedade avançada, com tecnologia própria de teletransporte e ate câmaras frigoríficas. Lá, na Atlântida, que José visitou em suas visões os homens voavam. Ele guarda junto com sua anotações a evidência, recortada da revista Época, de um fóssil de um menino alado, como prova cabal de que suas intuições estão certas. Intuições estas que são vendidas e pouco compreendidas pelos bêbados que dão alguma atenção ao velho nos bares das Vilas Mariana e Madalena.”

Obrigada trânsito de São Paulo, obrigada.

(A íntegra do texto do Talyson com a história do Seu José você encontra aqui! )

Sobre Nicole

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