Barulhos. Sempre presto atenção em barulhos. Estou voando. O céu é lindo, mas não me sinto confortável no céu. Saca? Céu. O que estou fazendo no céu se eu não morri?
Eu já fui bem pior voando, beeeem pior. Melhorei, mas não posso dizer que mudei da água para o vinho porque seria uma mudança muito radical. Continuo achando muito dramático voar de avião. Eu já sou dramática em solo, não queiram imaginar como funciono no ar. Ou melhor, se vocês continuarem lendo, saberão muito bem da minha veia dramaturga.
Sim, Nicole. Pense em probabilidades. Pense em quantos aviões estão voando agora ao mesmo tempo em que o avião que transporta a sua vida e de seus colegas de vôo voa (redundância, a gente lê aqui).
Por ser medrosa eu tenho um péssimo habito. Adoro ver programas sobre aeroportos (aqueles do Discovery, sabe?) e desastres. Leio e assisto tudo que estiver ao meu alcance sobre isso.
A parte não hard-core desse habito me faz sonhar em trabalhar com logística dentro de um aeroporto. Aquele vuco-vuco me fascina.
A parte mais hard-core me faz sempre ter certeza que logo no meu voo vai dar merda. Soa um tanto quanto egocêntrico, não? Por que logo o MEU?
Não iria ser diferente no voo de hoje.
O avião decola de Congonhas. Barulho, barulho. Presto atenção em todos. Eu já disse isso, né? Me lembro do acidente do reverso de quase vinte anos atrás da TAM. Sempre que um avião em Congonhas sobe e estou dentro dele, acho que uma força oculta vai nos arremessar “na chon”, como dizia Araci Balabanian em Rainha da Sucata.
Sucata – avião – desastre. Viu? Bingo!
Será que morre na hora? Prende o ar, Nicole.
Já faz vinte e quatro minutos que decolamos, o reverso não abriu na hora errada e não estou na chon, mas isso não me faz estar de boa. O voo tem duração de trinta e seis minutos e o piloto até agora não deu as caras.
Viu como aí tem?
Mas aí tem o que, Nicole? Sua cabeça está fritando tão rápido que você ainda não explicou o que está pegando.
Tá bem.
Decolamos e o piloto fez várias curvas. Várias. Muitas.
Desconfiei. Tudo que eu mais queria agora era ligar meu GPS para saber exatamente onde estou. Sei não. Vai que esse piloto é um cara do Estado Islâmico infiltrado no Brasil e vai derrubar essa merda… Ai meu Deus! Fato que ele é um deles!
Tudo muito quieto.
Nossa, esse piloto tá subindo demais esse avião… Olha outra curva ai de novo…
Olho para as aeromoças, elas não esboçam nenhuma preocupação que poderiam morrer em poucos instantes.
Me lembro de uma aeromoça que conheci da finada Webjet (viu? finada – morte) que uma vez me contou:
Avião caindo, aeromoça sorrindo!
É, não dá para acreditar nessas moças sorridentes.
—
Rapidamente vem na minha cabeça um cara no saguão do aeroporto assim que cheguei. Ele falava em alto e bom som que nenhum avião havia caído esse ano ainda. Fiquei tentando entender qual era o raio de alcance da analise dele, e pensei nele dando entrevista no Fantástico do próximo domingo. A pauta? Como ele havia previsto um novo desastre.
PORRA!
Um cara desses deveria ser preso! Ficar proferindo devaneios ao lado de gente cagona é crime! Eu tô sozinha aqui! Não tem ninguém para dizer que eu estou sendo ridícula e mandando eu voltar para o mundo real onde a maioria dos aviões não caem .
—
Aparentemente o piloto terrorista está disfarçando muito bem. A passageira ao meu lado lê um livro sobre Budismo e a claridade que emana de fora da janela quase cega meus olhos – quando querem – cor de mel.
FDP! Que susto! O piloto falou!!
“Tripulação preparar para o pouso, no Rio tantos graus.”
Pára tudo! Quer dizer então que o piloto não desviou a rota? Ele não usou do tapete de algodão para disfarçar o caminho diferente para o além que ele estava fazendo?
ISSO LÁ É COISA QUE SE FAÇA!
Meu ouvido dói e aparentemente está tudo em paz.
Pessoas dormem.
Como? Como alguém consegue dormir sabendo que seus pés estão à KMs de distância da raiz de uma árvore fincada na mãe-terra?
No mar de brigadeiro (não seria céu, Nicole?) de repente um barulho diferente.
PORRA!! Esse avião está tão buda que eu quase infarto com o trem de pouso saindo.
O piloto anti-social-ex-quase-integrante-do-estado-islamico, diz:
“Pouso autorizado.”
Pronto, começou o desespero de novo. Decolagens e aterrissagens são meus calcanhares de aquiles. Tem tanta nuvem bizarramente branca ao meu redor que não sei se estamos naquela hora tensa para alguns e mágicas para outros em que quase beijamos o Cristo Redentor nas bochechas.
Ai, acelerou.
Lembro de todas as arremetidas que já fizeram parte dos meus voos.
O avião treme a beça. Essas nuvens estão da pesada, pensei.
A moça continua lendo seu livro de budismo e eu estou a poucos segundos de implorar “um minuto de sabedoria” para ela.
Opa! Ponte Rio-Niteroi! Oi!!
E já, já chega aquela fatídica hora que temos certeza que o avião irá pousar na água.
CARALHO! Um barulho MUITO estranho agora. Diferente. Ai caralho! Desculpem os palavrões, não estou falando, estou apenas escrevendo, juro.
O momento é tenso.
Minha mão sua mais frio do que nunca.
Estamos sobrevoando Niterói.
Tom Jobim, desculpe, mas minha alma canta é o caralhooo!!
Curva na água, ai que medo.
Escreve, Nicole. Escreve que o tempo passa e você não vê que o avião está embicado em direção à água.
Respira, você não é amadora. Já pegou ponte um zilhão de vezes.
Paro de escrever por alguns instantes para o avião se chocar no chão.
Reverso escandaloso, eu te amo!!!
É TETRA! É TETRA!!
Posso cantar?
MINHA ALMA CANTA, PORRA!!
Volto a mim.
Oi, gente. Cheguei.
Acreditando que meus momentos de emoção e descontrole mental haviam cessado, quando as portas foram abertas e pude sentir a umidade me abraçando enquanto descia as escadas do avião que estacionou remotamente, leio logo abaixo da cabine na fuselagem do avião:
GUN.
Viu? Eu sabia! Eu disse! Sabia que tinha algo no ar.
Já em terra, vou ao toalete (olha eu querendo fazer a fina depois de escrever quinhentos caralhos no texto).
Enquanto estava dentro da minha cabine, escuto uma pessoa dizer alto:
Tem uma mala abandonada dentro de uma cabine!
Eu, em posição de xixi, no agachamento do dia, penso:
Ah, nãão! Só me faltava essa, morrer explodida enquanto faço xixi.
Saio rapidamente da cabine, mas preciso lavar minhas mãos. Nisso uma carioca diz:
– Ihhh, olha que tá na moda esse negócio de bomba, hein! (Bem carioca)
Viu? Eu não estou louca sozinha. Lavo a minha mão com a minha cara e enquanto pico minha mula sobrevivente, alguém comemora:
– A dona apareceu! A dona apareceu!
– Menos mal, pessoal. Menos mal. Escuto de uma voz masculina da Infraero que brotou no meio do banheiro feminino como se fosse da turma do deixa disso.
Já em casa, me perguntam:
– E aí, como foi seu voo?
Eu sorrio meio blasé e respondo: Tranquilo… Foi tranquilo…